No dia 17 de Agosto de 2018, mais de 20 nadadores-salvadores da “Surf Hong” entraram em greve por conflitos laborais. Posteriormente, visto que a “Surf Hong” não tomou medidas para resolver o assunto, de modo a fornecer nadadores-salvadores suficientes, a Piscina Dr. Sun Iat Sen, cuja gestão era realizada pela “Surf Hong”, confrontou-se com a insuficiência de nadadores-salvadores, vindo-se obrigada a encerrar a sua actividade perante o público. O Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura aplicou à “Surf Hong” uma pena de multa de MOP 4.098.000,00 por esta ter violado os deveres contratuais da Piscina Dr. Sun Iat Sen previstos no “Contrato de Prestação de Serviços de Gestão das Piscinas situadas em Macau afectas ao Instituto do Desporto”. O proprietário A da Empresa Surf Hong interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) contra a decisão do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura. O Tribunal Colectivo do TSI, por acórdão de 18 de Junho de 2020, julgou procedente o recurso e anulou o acto recorrido.
Inconformado, o Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância (TUI), invocando a errada qualificação da greve dos trabalhadores como força maior e a errada aplicação de lei, em violação do art.º 169.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso. O Tribunal Colectivo asseverou que a força maior é um facto ou situação da natureza, sendo necessária a sua natureza imprevisível e irresistível, e que as suas consequências são independentes da vontade ou situação pessoal. No presente caso, vários trabalhadores ausentaram-se e faltaram ao serviço em virtude de conflitos laborais, sendo esta conduta colectiva devida ao facto de a recorrida não ter satisfeito as reivindicações dos seus trabalhadores. Por outras palavras, não eram inevitáveis as ausências e as faltas ao serviço dos trabalhadores da recorrida, mas antes eram previsíveis, porque qualquer homem médio é capaz de imaginar que quando os conflitos laborais não tiverem sido resolvidos de forma oportuna e eficaz, os trabalhadores tomarão certas acções para manifestar as suas insatisfações para com o empregador, lutando pelos seus direitos e interesses. Mesmo que a greve tenha sido realizada sem notificação prévia, isto não implica a imprevisibilidade da mesma. O empregador não poderia secundar a sua exclusão de culpa no argumento da força maior, pois a greve não será algo imprevisível ou que está fora do domínio do agente. Antes pelo contrário, sabendo que os trabalhadores fazem parte do universo empresarial, incumbiria ao empregador dominar as hipotéticas contestações no seio da empresa, satisfazendo até ao limite do que se pensa ser justo e proporcional as reivindicações dos seus trabalhadores.
Assim sendo, entende o Tribunal Colectivo que não eram imprevisíveis nem inevitáveis as ausências e as faltas ao serviço (ou dito de outra forma, greve) dos trabalhadores da recorrida, razão pela qual não constituem casos de força maior, sendo assim insusceptíveis de exonerar o empregador da responsabilidade contratual por incumprimento do contrato.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo concedeu provimento ao recurso, anulando o acórdão recorrido e determinando o reenvio do processo ao TSI para novo julgamento.
Cfr., Acórdão do Processo n.º 197/2020, do Tribunal de Última Instância.
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
25/02/2021