A iniciou funções no Instituto Cultural a partir de 1997. Em 2010, A foi nomeada para o cargo de chefe da Divisão Administrativa e Financeira e, em 2015, foi nomeada como chefe do Departamento de Organização e Gestão Administrativa e Financeira, a qual vinha integrando, como membro efectivo, o Conselho Administrativo do Fundo de Cultura (FC), enquanto chefe de Divisão e chefe do Departamento, respectivamente. A, durante o exercício de funções de dirigente de serviço, contratou trabalhadores, com base nas meras práticas habituais anteriores, por ajuste directo e com dispensa de consulta e através do “Acordo de prestação de serviço”.
No processo disciplinar, instaurado contra A, o instrutor considerou que A violou com a sua conduta, nos termos do art.º 279.º, n.º 2, al. b), e n.º 4 do ETAPM e do art.º 16.º, al. 2, do Regulamento Administrativo n.º 26/2009, o dever de zelo e o dever específico que deve cumprir o pessoal de direcção e chefia; deste modo, aplicou a A, pena de suspensão de funções por 30 dias, ao abrigo do art.º 314.º, n.os 1 e 3, e art.º 316.º, n.º 2, do ETAPM. O Chefe do Executivo proferiu despacho, concordando com a proposta e ordenando a pena de suspensão de funções por 30 dias, aplicada a A.
Inconformada, A interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI). O TSI indicou, de acordo com os factos provados, nomeadamente: (1) O Instituto Cultural recorre ao regime de contratação de prestação de serviços, previsto no Decreto-Lei n.º 122/84/M, de 15 de Dezembro, desde a década de 90 do século passado; (2) Os contratos foram apreciados por juristas e/ou pelo notário privativo do IC; (3) A recorrente não tem formação jurídica e estava convencida da adequação do regime do DL n.º 122/84/M às contratações constantes da matéria de facto provada. Com base nisso, o TSI não considerou que a recorrente tivesse cometido tais infracções disciplinares por ter mostrado desinteresse pelo trabalho, mas sim devido à falta de conhecimento das disposições legais e regulamentares, pelo que à recorrente deve ser aplicada a pena de multa, ao abrigo do art.º 313.º, n.os 1 e 2, al. e), do ETAPM, razão pela qual julgou procedente o recurso, anulando o acto recorrido.
Inconformado, interpôs o Chefe do Executivo recurso para o Tribunal de Última Instância (TUI).
O TUI conheceu da causa. O TUI considera que a falta de formação jurídica não pode servir de justificação para o deficiente exercício de funções públicas e ao próprio agente da Administração há-de caber a – séria – decisão de estar ou não capacitado e na posse e domínio dos necessários conhecimentos e qualidades profissionais para o exercício do cargo ou funções que lhe são confiadas. Se a uma chefia da área administrativa e financeira for permitido, agir em frontal colisão e desrespeito das regras básicas e fundamentais em tal matéria aplicáveis, pelo simples facto de não ter formação jurídica, de nada vale então prescrever-se o art. 4.º da Lei n.º 15/2009. Além disso, mesmo que a tal indevida conduta houvesse obtido parecer de um jurista, não isenta, nem dispensa a quem cabe decidir da sua respectiva responsabilidade. Quanto ao costume, embora o Instituto Cultural tenha repetido certas práticas ao longo dos anos, isso não converte uma ilegalidade em procedimento justo e adequado, ou aceitável e, mais ainda, o regime jurídico envolvido neste caso não é complicado ou exige conhecimentos jurídicos especiais. Com base nisso, o TUI concordou com o relatório final do instrutor, no sentido de não se poder tolerar que um dirigente de um serviço da Administração Pública tenha violado, de forma tão flagrante, os deveres funcionais a que estava obrigado a observar e, daí, a gravidade da sua conduta que, como tal, deve ser integrada no art.º 314.º do ETAPM.
O TUI indicou que não se pode olvidar que a medida da divergência entre a conduta do agente e a conduta exigível, constitui factor de graduação da negligência, sendo que, quanto maior for a medida da divergência, mais facilmente se poderá e deverá concluir pela ocorrência de negligência grave e que esta deve ter-se por verificada quando, de forma flagrante e notória, se omitem os cuidados mais elementares básicos que devem ser observados, ou quando o agente se comporta com elevado grau de imprudência, revelando grande irreflexão e insensatez, sendo indiferente a circunstância de haver ou não previsto a realização do resultado típico, a significar que quer a negligência consciente, como a inconsciente, podem consubstanciar este concreto tipo de culpa.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo do TUI concedeu provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, mantendo a decisão do Chefe do Executivo de aplicar a A a pena de suspensão de funções por 30 dias.
Cfr. Acórdão do Processo n.º 178/2020, do Tribunal de Última Instância.