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O TSI manteve o crime tentado de homicídio, face a um caso de ofensa com faca, ocorrido numa pensão ilegal


A e o ofendido B eram residentes do Interior da China; conheceram-se por se encontrarem alojados numa pensão ilegal, situada na Avenida do Infante D. Henrique. Em 12 de Novembro de 2019, por volta das 13h00, no regresso à aludida pensão ilegal, por conflitos de dinheiro, A e B deram-se reciprocamente empurrões e B agrediu, por várias vezes, com as mãos a cabeça de A. Após terem regressado à pensão em causa, A dirigiu-se logo à cozinha e, por seu turno, B também o seguiu para a cozinha. A pegou na faca para cortar vegetais, posta na tábua de corte encontrada na cozinha, virou-se e esfaqueou, de cima para baixo, parte da cabeça de B, tendo B agarrado as duas mãos de A para impedir o ataque. A não parou de perseguir e de esfaquear B na referida fracção, enquanto B andou constantemente a esquivar-se dos golpes e resistiu ao ataque, mas acabou por sofrer, pelo menos, seis feridas na cabeça por causa dos golpes dados por A. Em seguida, B abandonou a dita fracção e apresentou queixa à Polícia, pedindo auxílio. Os guardas policiais capturaram A que ainda permanecia na fracção em apreço. Feito o exame, a Polícia averiguou que a faca em causa tinha o comprimento total de cerca de 30cm, com lâmina de cerca de 20cm, bem afiada. O acto praticado por A causou a B ferimentos, resultantes de cortes em diversas partes do corpo, ficando 8 dias de convalescença caso não sofresse de qualquer complicação, bem como desencadeou ofensa simples à integridade física contra B. Deste modo, A foi acusado da prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de homicídio e, na forma consumada, de um crime de armas proibidas e substâncias explosivas.

Findo o julgamento, o Tribunal Judicial de Base condenou A, pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime tentado de homicídio, p. e p. pelo art.º 128.º, conjugado com os artigos 21.º e 22.º do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de armas proibidas e substâncias explosivas, p. e p. pelo art.º 262.º, n.º 1 do Código Penal, conjugado com o art.º 1.º, n.º 1, al. f), e art.º 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 77/99/M (Regulamento de Armas e Munições), na pena de 2 anos e 3 meses de prisão e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, ficou o mesmo condenado na pena de 4 anos de prisão efectiva, bem como no pagamento de MOP$50.000,00 de indemnização a favor do ofendido.

Inconformado, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, pedindo que passasse a ser condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física e ficasse suspensa a pena de prisão na sua execução.

O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso, indicando que o recorrente começou por defender que ele não tinha a intenção de matar o ofendido; porém, segundo a matéria de facto provada, o recorrente esfaqueou parte da cabeça do ofendido, tendo o ofendido agarrado as duas mãos do recorrente para impedir o ataque e, apesar disso, acabou por sofrer, pelo menos, seis feridas na cabeça por causa dos golpes dados pelo recorrente. Daí se considere que, se o ofendido não tivesse agarrado as mãos do recorrente, o modo de esfaqueamento feito por este, por várias vezes, na parte da cabeça do ofendido acarretaria a morte deste. Como ditam as regras da experiência da vida humana quotidiana, quem esfaquear, por diversas vezes, a cabeça de outra pessoa, acarreta facilmente a morte da pessoa assim agredida. A tese da falta de intenção de matar o recorrente só seria válida se o ofendido não tivesse agarrado as duas mãos do recorrente para impedir a conduta de seu ataque. Assim sendo, o Tribunal Colectivo decidiu manter o crime tentado de homicídio pelo qual foi condenado o recorrente e a pena de 3 anos e 6 meses de prisão que lhe foi imposta. Quanto ao crime de uso de arma proibida pelo qual foi condenado o recorrente, a faca para cortar vegetais usada pelo recorrente para esfaquear o ofendido já existia antes da ocorrência dos factos na cozinha da pensão ilegal em que viviam os dois, pelo que, nos termos do art.º 1.º, n.º 1, al. f), do Decreto-Lei n.º 77/99/M, se mostrou irrazoável a acusação da posse dessa faca pelo recorrente, ainda que a faca tivesse lâmina superior a 10cm e fosse usada como instrumento da agressão física.

Destarte, acordaram no TSI em julgar não provido o recurso, mantendo o crime tentado de homicídio e a pena de 3 anos e 6 meses de prisão já aplicada, mas absolvendo oficiosamente o recorrente dum crime de armas proibidas e substâncias explosivas que lhe foi imputado.

Cfr. Acórdão, proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 765/2020.