A Região Administrativa Especial de Macau (1.ª autora), representada pelo Ministério Público, intentou, no Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, uma acção ordinária, contra Ho Weng Pio (1.º réu) e a Companhia de Engenharia e Construção Weng Fok, Limitada (2.ª ré), enquanto construtores do Edifício Sin Fong Garden, Joaquim Ernesto Sales (3.º réu), enquanto técnico responsável pela direcção de obras de estruturas e fundações desse edifício, Tak Nang – Sociedade de Investimento e Desenvolvimento, Limitada (4.ª ré), como proprietária do lote de Soho, a Companhia de Construção e Engenharia Lai Si, Limitada, (5.ª ré), como construtor que demoliu o velho edifício industrial Pak Tai, no lote de Soho, a Companhia de Construção e Engenharia Kin Sun (Macau), Limitada (6.ª ré), como construtor responsável pela obra de estacas moldadas no lote do Soho, e Cheong Nim Tou (7.º réu), como técnico responsável pela direcção das obras de demolição e construção no lote do Soho, pedindo a condenação dos 1.º, 2.ª e 3.º réus na restituição solidária à autora dum montante total de MOP$12.805.589,66, a título de despesas que esta já suportou para prevenir o colapso do Edifício Sin Fong Garden, assegurar a segurança dos cidadãos e dos edifícios circundantes, e avaliar a segurança e a estabilidade do Edifício Sin Fong Garden, bem como as despesas pagas pela auotra, antes de resolução completa sobre o Edifício Sin Fong Garden, de monitorização contínua das estruturas do Edifício Sin Fong Garden, e dos Edifícios Lei Cheong, Ou Va e Kwong Heng situados nos terrenos circundantes; subsidiariamente, em caso de integral ou parcial improcedência dos dois pedidos acima referidos, pediu a condenação no pagamento solidário das respectivas despesas dos 4.ª, 5.ª, 6.ª e 7.º réus. No decorrer desta acção, foram chamadas a intervir como partes principais a Companhia deSegurosdaChina Taiping(Macau), S.A. (8.ª ré), como companhia que assegurou os riscos da obra de demolição no lote de Soho, e a Companhia de Seguros Delta Ásia S.A. (9.ª ré), como companhia que assegurou os riscos da obra de fundações no lote de Soho. Por outro lado, o Instituto de Acção Social (2.º autor) intentou uma outra acção ordinária no Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base contra os 1.º, 2.ª e 3.º réus acima referidos, pedindo a condenação destes na restituição dos encargos e subsídios que aquele assumiu para com os moradores afectados com a situação do Edifício Sin Fong Garden, e as quantias da mesma natureza que vierem a ser adiantados pelo IAS no futuro, entre outros. Os autos dos dois processos foram apensados num só, para serem julgados em conjunto.
Indicou o Tribunal Judicial de Base que a situação em que estava o Edifício Sin Fong Garden no dia em questão (10 de Outubro de 2012) constituía um perigo actual para os residentes do Edifício Sin Fong Garden, para os prédios contíguos e os seus residentes, bem como para as pessoas que passavam por aquela zona e que os actos praticados pela 1ª Autora no sentido de bloquear o Edifício Sin Fong Garden e de exigir a evacuação das pessoas não só garantiram o interesse público, como também garantiram directamente os interesses de terceiro, tais como utilizadores do Edifício Sin Fong Garden, dos prédios contíguos e das vias públicas, o que devia ser considerado como uma situação para afastar uma ameaça contra interesses juridicamente protegidos de terceiro. Havendo sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado e não merecendo censura os actos em termos do fim, do meio ou da proporção, os actos praticados pela 1ª Autora em relação ao Edifício Sin Fong Garden configuram, portanto, actos de estado de necessidade. Ao abrigo do art.º 331.º, n.º 2 do Código Civil, aqueles que contribuíram para o estado de necessidade devem assumir a responsabilidade de indemnização.
Relativamente a responsabilidade de cada um dos réus, indicou o Tribunal que, o 1º Réu e a 2ª Ré, enquanto executores da obra de construção do Edifício Sin Fong Garden, bem como o 3º Réu, enquanto responsável pela supervisão das obras, tinham deveres de diligência e prudência e de protecção de alto grau, para garantir a conformidade à intensidade exigida pelo projecto de cada peça estrutural quer em termos de material quer em termos de execução. No presente caso, o método de colocação das estacas no Lote do Edifício Soho Residence e a não conformidade do betão do pilar 2P9 do Edifício Sin Fong Garden à qualidade projectada provocaram a ruptura deste pilar, sendo ambas causas adequadas que contribuíram para a ocorrência do incidente. Os 1º, 2ª e 3º Réus não realizaram o exame de recepção do betão aplicado na construção do Edifício Sin Fong Garden, nem a supervisão da sua qualidade, faltando manifestamente a cumprir o dever de diligência e prudência, os quais, por isso, deviam ser responsabilizados em conformidade com o critério previsto pelo art.º 480.º, n.º 2 do Código Civil.
Relativamente à 4ª Ré, indicou o Tribunal que a obra da colocação das estacas no Lote do Edifício Soho não era diferente das escavações de terra referidas no art.º 1268.º, n.º 1 do Código Civil e constituía uma das razões que contribuiu para a perda de solo verificado no subsolo, à inclinação dos edifícios e aos danos estruturais, e, por isso, a 4ª Ré tinha a obrigação de indemnizar os proprietários do Edifício Sin Fong Garden nos termos do art.º 1268.º n.º 2 do Código Civil, ainda que tivesse tomado medidas preventivas tidas como necessárias. Assim sendo, a 4ª Ré também deve assumir a responsabilidade de indemnização nos termos do art.º 331.º, n.º 2 do Código Civil.
Relativamente à 5ª Ré, não se provou que esta era responsável pela obra da fundações do Edifício Soho, razão pela qual são improcedentes todos os pedidos apresentados pela 1ª Autora contra a 5ª Ré.
Relativamente aos 6ª e 7º réus, indicou o Tribunal que devido ao método de perfuração ODEX aplicada na fundação do Edifício Soho, à característica de que as estacas do Edifício Sin Fong Garden eram sensíveis a perturbações do solo e à natureza do solo na área em causa, a obra da construção do Edifício Soho causou perigo ao Edifício Sin Fong Garden contíguo, a qual, por isso, constituía uma actividade perigosa. Os dois Réus não lograram provar que já tinham aplicado as várias medidas necessárias de acordo com a situação nessa altura para prevenir os danos ao Edifício Sin Fong Garden e, por isso, devem ser responsáveis pela situação perigosa do Edifício Sin Fong Garden.
Relativamente à 8ª Ré, na falta de fundamento de facto suficiente para suportar qualquer nexo de causalidade entre a obra da demolição do antigo edifício industrial Pak Tai no Lote do Edifício Soho e o incidente, esta Ré deve ser, portanto, absolvida.
A 9ª Ré, na qualidade de segurador da obra de fundações do Lote do Edifício Soho, deve assumir a responsabilidade de indemnização dentro do limite máximo de MOP$5.000.000,00 por força do contrato de seguro celebrado com a 4ª Ré, nos termos do art.º 490.º, n.º 1 do Código Civil e do art.º 1026.º, n.º 1 do Código Comercial.
Pronunciando-se sobre a indemnização, o Tribunal indicou o seguinte: as despesas suportadas pela 1ª autora com as obras de consolidação, a monitorização contínua e a inspecção do edifício fizeram parte integrante dos actos praticados em estado de necessidade, servindo, evidentemente, para impedir que o edifício Sin Fong Garden entrasse numa situação mais perigosa ou até em colapso. Por sua vez, as despesas efectuadas na investigação das causas do incidente e no estudo da viabilidade da reparação do edifício Sin Fong Gardem tiveram em vista apurar as causas que estiveram na origem do incidente, verificar se o edifício apresentava um risco estrutural grave, e estudar se era possível a sua reparação ou, em vez disso, seria necessário demolir e reconstruí-lo o mais breve possível, de modo a eliminar o perigo causado às áreas circundantes. Por isso, devem ser condenados os 1º, 2º, 3º, 4º, 6º, 7º e 9º réus na restituição integral e solidária à 1ª autora das despesas por ela suportadas. Ademais, considerando que já se iniciaram as obras de demolição e reconstrução do edifício Sin Fong Garden, devem ainda condenar-se os ditos réus no pagamento solidário das despesas efectuadas pela 1ª autora na monitorização contínua das estruturas do edifício Sin Fong Garden e dos edifícios vizinhos Lei Cheong, Ou Va e Kwong Heng desde a data da proposição da acção principal até à demolição do edifício Sin Fong Garden. De resto, devido à vedação do edifício Sin Fong Garden, os seus moradores ficaram temporariamente sem-abrigo, tornando-se-lhes, pois, necessário gastar mais para arranjar alojamento noutro lugar, sendo certo também que os proprietários das diferentes fracções autónomas viram prejudicados o uso e gozo da sua fracção. Neste contexto, até Julho de 2016, o 2º autor já pagou aos proprietários do edifício Sin Fong Garden um montante total de MOP$25.396.500,00 a título de subsídio especial, montante esse que o 2º autor nunca considerou como oferta atribuída conforme políticas do Governo, e que pretende sempre recuperar quando se determine a pessoa do responsável pelo incidente. Por esses motivos, os 1º a 3º réus devem ser condenados no pagamento de indemnização por esses danos patrimoniais causados aos proprietários do edifício Sin Fong Garden, no valor correspondente ao adiantado pelo 2º autor.
Nos termos acima expostos, o Tribunal Judicial de Base concedeu provimento parcial à acção proposta pela 1ª autora, condenando os 1º, 2º, 3º, 4º, 6º, 7º e 9º réus (responde este último até ao limite de MOP$5.000.000,00) a pagarem solidariamente à 1ª autora a quantia de MOP$12.805.589,66 e as despesas efectuadas pela 1ª autora na monitorização contínua das estruturas do edifício Sin Fong Garden e dos edifícios vizinhos Lei Cheong, Ou Va e Kwong Heng desde a data da proposição da acção principal até à demolição do edifício Sin Fong Garden, no montante a liquidar em execução de sentença. Julgou, também, parcialmente procedente a acção intentada pelo 2º autor, condenando os 1º, 2º e 3º réus no pagamento solidário ao 2º autor do montante de MOP$25.396.500,00, além das outras quantias da mesma natureza que as referidas, adiantadas pelo 2º autor desde a instauração da acção até à demolição do edifício em questão, no valor a liquidar em execução de sentença; e julgou, na parte restante, improcedentes as acções intentadas pelos autores.
Vide o acórdão do Tribunal Judicial de Base, proferido no processo n.º CV2-15-0085-CAO.
Conforme se apurou, para além do Governo da RAEM, vários proprietários de fracções autónomas do edifício Sin Fong Garden intentaram, em conjunto, uma acção no Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base contra os construtores ocupados das obras no lote de Soho e os respectivos responsáveis, pretendendo ser indemnizados pelos danos causados a seis fracções autónomas e quatro lugares de estacionamento, acção essa que se encontra pendente neste momento. No Tribunal Judicial de Base ainda não deu entrada qualquer processo relativo às despesas com a reconstrução do edifício Sin Fong Garden.