No dia 25 de Outubro de 2017, à noite, A (arguido) conduzia um motociclo que circulava pela faixa de rodagem esquerda na Avenida do Almirante Lacerda indo do Mercado Vermelho em direcção ao Mercado do Patane. E C, conduzindo um autocarro, circulava pela Avenida do Almirante Lacerda na faixa direita do Mercado Vermelho em direcção ao Mercado do Patane. Ao mesmo tempo, B (a vítima) saiu dum autocarro na paragem do Mercado Vermelho / Avenida do Almirante Lacerda. Neste momento, a luz verde da passadeira para peões em direcção ao Restaurante Dragões estava a piscar e B entrou imediatamente na passadeira do Edf. Veng Pou Kok na Avenida do Almirante Lacerda, andando em direcção ao Restaurante Dragões. Antes de B entrar na faixa de rodagem direita, a luz do semáforo da passadeira mudou para vermelho, mas B continuou a travessia. Ao mesmo tempo, o sinal do semáforo da faixa de rodagem da estrada acima indicada mudou para verde e C, conduzindo o dito autocarro até ao local, travou imediatamente o autocarro ao ver B a atravessar a passadeira do seu lado direito frontal. B continuou a atravessar a passadeira; nesse momento, A, conduzindo um motociclo e circulando pelo lado esquerdo do autocarro, chegou ao local e atropelou B que estava a atravessar a passadeira, por não conseguir travar a mota a tempo. O atropelamento causou a queda de A e da mota, ficando B também ferido. O acidente provocou ofensa grave à integridade física de B.
O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base absolveu o arguido A de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência, p.p. pelo artigo 142.º, n.º 1 e n.º 3, do Código Penal de Macau, conjugado com o artigo 138.º, alínea d) do mesmo código e o artigo 93.º, n.º 1, da Lei da Trânsito Rodoviário, indeferindo o pedido de indemnização civil formalizado pela vítima B contra a companhia seguradora e o arguido A. Inconformado, B recorreu para o Tribunal da Segunda Instância; este julgou parcialmente procedente o recurso, reconhecendo que o arguido A tinha 50% da culpa pelo acidente neste caso e, em consequência, decidiu que B podia receber uma indemnização no valor de MOP$1.538.700,00 e outras indemnizações.
Inconformados, A e a companhia seguradora recorreram para o Tribunal de Última Instância.
Tendo apreciado o caso, o Tribunal de Última Instância referiu o seguinte: O peão tem a obrigação de atravessar a faixa de rodagem de forma rápida e segura, tendo em conta a distância e a velocidade dos veículos que se aproximam, e obedecer às prescrições dos sinais quando atravessa as passagens para peões equipadas com sinalização luminosa, enquanto ao condutor são impostos os deveres de moderar especialmente a velocidade na aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões, bem como deixar passar os peões que já tenham iniciado o atravessamento da faixa de rodagem pelas passagens para peões sinalizadas, junto da qual o trânsito está regulado por sinalização luminosa ou por agente, mesmo que autorizado a avançar. Atento ao circunstancialismo em que ocorreu o acidente de viação, com violação, por ambas as partes nele envolventes, das regras de trânsito rodoviário acima descritas, é de concluir pela contribuição de ambas para a produção do acidente. No entanto, nas passagens para peões sinalizadas / faixas de rodagem, junto das quais o trânsito está regulado por sinalização luminosa, aqueles que se encontrem autorizados a avançar (tanto os peões como os condutores) têm normalmente confiança em que a outra parte faça a paragem, podendo legitimamente esperar e confiar na sua prioridade de passagem. Portanto, perante a violação, por ambas as partes envolventes, das regras de trânsito rodoviário, é de entender que é aos proibidos a avançar que se impõem maiores obrigações de obedecer às regras de trânsito, os quais têm maior culpa pelo acidente de viação resultante do não cumprimento das regras do trânsito rodoviário. Ponderado todo o circunstancialismo do caso concreto, o TUI entendeu que B devia assumir a maior responsabilidade pelo acidente, considerando adequado atribuir 90% da culpa a B e 10% a A.
Nos termos do artigo 564.º, n.º 1, do Código Civil, o valor da indemnização deve ser determinado de acordo com o grau de culpa da B e do arguido A como condutor. Por fim, o Tribunal Colectivo do TUI decidiu reduzir o valor da indemnização fixado pelo Tribunal de Segunda Instância de MOP$1.538.700,00 para MOP$219.820,00.
Nos termos expostos, o Tribunal Colectivo julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido e companhia seguradora.
Cfr. Acórdão proferido no processo n.º 15/2021 do Tribunal de Última Instância.