A Sociedade de Transportes Públicos Reolian, S.A. (Autora), representada pelo administrador de falência, intentou acção sobre contratos administrativos no Tribunal Administrativo contra a RAEM (1.ª Ré), o Chefe do Executivo (2.º Réu) e o Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (3.º Réu), pedindo a condenação dos Réus para efectivar o pagamento das facturas, emitidas no período compreendido de 12 de Junho de 2012 a 31 de Maio de 2013, relativas ao valor da diferença entre o preço global calculado com base nos preços unitários inicialmente constantes do “Contrato do Serviço Público de Transportes Colectivos Rodoviários de Passageiros de Macau”, celebrado entre a Autora e a RAEM, e o preço global calculado com base nos preços unitários definidos no despacho de 12 de Junho de 2012 do Chefe do Executivo, no valor total de MOP$39.960.050,75, bem como reconhecer o direito de lhe pagar pelos serviços de transportes colectivos rodoviários de passageiros prestados nos termos do aludido despacho do Chefe do Executivo, com efeitos a partir de 12 de Junho de 2012. A 1.ª Ré formulou na contestação um pedido reconvencional contra a Autora, reclamando a indemnização pelos danos sofridos em sede de interrupção dos serviços de transportes colectivos rodoviários de passageiros prestados pela Autora emergente do requerimento de falência apresentado pela Autora junto do tribunal e da tomada, através de sequestro, da exploração da Sociedade pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego. Foi deferido o requerimento como assistente à Autora apresentado pelo Banco da China, Limitada, na invocada qualidade do credor da Autora.
Discutida a causa, resultaram assente a seguinte factualidade: Entre Março e Abril de 2012, a DSAT recebeu, sucessivamente, os pedidos de ajustamento dos preços unitários das tarifas dos serviços de transportes colectivos rodoviários de passageiros prestados pela Transmac, pela Sociedade de Transportes Colectivos de Macau e pela Sociedade de Transportes Públicos Reolian, S.A.; em 12 de Junho de 2012, pelo despacho do Chefe do Executivo, foram autorizados os pedidos de ajustamento dos preços de serviço formulados pelas aludidas três companhias; porém, após a divulgação da sobredita decisão, surgiram várias críticas na sociedade, portanto, face a essa situação, pela instrução verbal dirigida ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas, o Chefe do Executivo determinou a revisão do processo de ajustamento de tarifas, no sentido de assegurar o melhoramento da qualidade de serviços, garantir a segurança dos passageiros e corresponder às exigências da população; a seguir, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas ordenou ao Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego para impulsionar, o mais rápido possível, a concretização do plano de melhoramento dos serviços das companhias de autocarro, bem como o lançamento do mecanismo de avaliação dos aludidos serviços, a par disso, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas disse à comunicação social que o processo de ajustamento das tarifas de serviços das companhias de autocarro ficaria suspenso até à apresentação do plano de melhoramento dos serviços das três companhias; em Janeiro de 2013, tendo em conta que as medidas de melhoramento adoptadas pela Transmac e Sociedade de Transportes Colectivos de Macau atingiram os resultados esperados e satisfazeram as exigências do Governo, declarou o Governo da RAEM que seria reiniciado o processo de ajustamento das tarifas dos serviços prestados pelas referidas duas companhias; quanto à Reolian, o processo ulterior para tratar dos seus pedidos de ajustamento não seria reiniciado, dado que tinha ainda diversos processos sancionatórios em curso e os seus serviços não possuíam o nível exigido, assim, tal assunto seria decidido depois do supervisionamento da optimização dos seus serviços; enfim, em 10 de Abril de 2013, pelos Despachos do Chefe do Executivo n.º 85/2013 e 86/2013, foi autorizado o aumento das despesas relativas à taxa de serviço para a prestação dos serviços de autocarros pela Transmac e Sociedade de Transportes Colectivos de Macau, segundo o preço unitário da taxa de serviço aprovado, e não foi ajustada a taxa de serviço para a prestação dos serviços de autocarros pela Reolian.
O TA proferiu a sentença, rejeitando o pedido reconvencional deduzido pela 1.ª Ré contra a Autora por não satisfazer a admissibilidade da reconvenção prevista no art.º 218.º do Código de Processo Civil, bem como julgando procedente a excepção peremptória da ilegitimidade da Autora e absolvendo os Réus dos pedidos, por a Autora não ter deduzido tempestivamente impugnação ou reclamação contra as decisões de suspensão e reiniciação do processo de ajustamento das tarifas em causa proferidas, quer pelos 2.º e 3.º Réus, quer pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, verificando-se a aceitação sem reserva da mesma. Inconformados com a sentença, vieram a Autora e o Assistente interpor recurso jurisdicional dela para o Tribunal de Segunda Instância.
O TSI conheceu do caso. Apontou o Tribunal Colectivo que, in casu, a suspensão da execução do despacho do Chefe do Executivo que autorizou o ajustamento das tarifas foi determinada pela Administração por causa da forte reacção negativa por parte da população, o que se traduz na prática de um acto administrativo no verdadeiro sentido, no exercício do poder público, e não uma declaração negocial paritária, pelo que não se mostrou aplicável in casu o art.º 67.º do Decreto-Lei n.º 63/85/M invocado pelo TA, que dispõe a aceitação tácita.
Todavia, tanto a instrução verbal de suspensão do processo de ajustamento das tarifas dirigida pelo Chefe do Executivo ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas, como a ordem dada pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas ao Director dos Serviços para os Assuntos de Tráfego em cumprimento daquela instrução verbal carecem de todos os elementos essenciais quanto à forma dum acto administrativo e não revestem minimamente a forma legal, nos termos exigidos nos artigos 112.º e 113.º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que devem as mesmas ser consideradas juridicamente inexistentes, não tendo a potencialidade de produzir quaisquer efeitos jurídicos. Ora, a não impugnação atempada por parte da Autora das decisões não implica a ilegitimidade da mesma para intentar acção sobre contratos administrativos, devendo ser anulada a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Nos termos e fundamentos acima expostos, o TSI decidiu anular a sentença proferida pelo TA na parte que julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa da Autora, em substituição, julgando improcedente a excepção em apreço, bem como determinou a baixa dos autos ao TA para o prosseguimento da sua tramitação.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 1163/2019.