No dia 24 de Abril de 2016, no casino B, um jogador A, depois de ter perdido uma jogada no valor de $10.000 arremessou a C, empregado que estava a trabalhar na mesa de jogos em causa, uma placa publicitária de papelão contra as mãos deste. D, filho de C, era advogado estagiário, acompanhou C ao hospital depois do incidente e acompanhou C no dia 29 do mesmo mês à Polícia Judiciária para apresentar queixa. No dia 3 de Maio de 2016, D enviou uma carta ao casino B, na qual alegou principalmente que C não ia exigir indemnização, no entanto, disse, a seguir, a B que faltou às aulas de estágio por ter que tratar o referido incidente, nem conseguiu preparar o exame que se realizou no dia 28 de Abril do mesmo ano, pedindo, pelas razões indicadas, uma indemnização a fixar de acordo com os valores praticados na profissão de advogado, referindo ainda que C iria retirar a queixa criminal contra A caso B pagasse a dita indemnização. Na sequência desta carta, B, em 7 de Outubro de 2016, fez a participação à Associação dos Advogados. Posteriormente, o Conselho Superior de Advocacia (CSA) deliberou aplicar a D a pena disciplinar de censura, nos termos dos art.ºs 41.º e 42.º do Código Disciplinar dos Advogados, por entender que D violou os artigos 1.º, n.ºs 1 e 3, 12.º, n.º 2 e 14.º, al. a), todos do mesmo código. Inconformado, D interpôs recurso contencioso junto do Tribunal de Segunda Instância. Apreciado o recurso, o TSI julgou procedente o recurso de D, anulando a deliberação do CSA. Não se conformando com a decisão, o CSA recorreu para o Tribunal de Última Instância.
O Tribunal de Última Instância apreciou o recurso.
No entendimento do Tribunal Colectivo, o Conselho Superior de Advocacia (adiante designado por “Conselho”) baseou a sua deliberação punitiva na “questão da indemnização pedida” e na “questão das faltas às aulas”. Quanto à primeira questão, o Conselho entendeu que pelo pedido de pagamento de uma indemnização por danos, D, de facto, solicitou a B que lhe pagasse os honorários pela prestação de serviços profissionais de advogado no caso de C, conduta esta, de acordo com o Conselho, é ilegal e merece censura deontológica. Apontou o Tribunal Colectivo que, da factualidade provada, resultou verificar-se que o Conselho entendeu erradamente o facto de D pedir uma indemnização a fixar de acordo com os valores praticados na profissão de advogado como a solicitação de honorários, resultando em que os factos em que a decisão punitiva se baseou não correspondem ao que efectivamente sucedeu. Acrescentou o Tribunal Colectivo que é inquestionável o outro motivo que levou o Conselho a proferir uma decisão punitiva, mas a pena de “censura” aplicada constitui uma “pena única”, aplicada às duas infracções disciplinares em concurso; nesta situação, há que falar do princípio do aproveitamento do acto administrativo. É da intenção do princípio citado o aproveitamento, com o maior possível, da parte válida do acto administrativo. Porém, nesta causa, o Conselho aplicou a D uma pena única com base nos dois fundamentos e o número de fundamentos é suficiente para afectar o grau da pena a aplicar. Perante um fundamento (questão de indemnização pedida) que foi julgado não correspondente à verdade, embora o fundamento “faltas às aulas”) corresponda ao que efectivamente sucedeu, não se pode manter a decisão administrativa de punição, baseada no princípio do aproveitamento do acto administrativo, sob pena de invadir o poder discricionário do Conselho.
O Tribunal Colectivo apreciou também o recurso interlocutório interposto pelo Conselho contra a decisão do TSI que determinou que o Conselho pagaria o preparo. Referiu o Tribunal Colectivo que o Estatuto do Advogado foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31/91/M, cujo artigo 3.º define que a Associação dos Advogados de Macau é uma associação pública e o Conselho Superior de Advocacia, que faz parte integral da Associação do Advogados, exerce jurisdição disciplinar exclusiva sobre os advogados (cfr., art.º 2.º e 4.º do Estatuto do Advogado), cuja composição inclui um magistrado judicial e um magistrado do Ministério Público. A lei estipula que cabe recurso contencioso da decisão do Conselho. Nesta medida, sendo de se considerar uma pessoa colectiva de direito público com “competências” que lhe são reconhecidas no âmbito de uma dinâmica de descentralização administrativa, e em causa nos presentes autos estando, exactamente, o exercício da dita “jurisdição disciplinar”, motivos não parecem existir para se não ter como abrangida pela “isenção subjectiva” a que se refere a alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º do RCT.
Em face do que se deixou expendido, o Tribunal Colectivo do TUI negou provimento ao recurso interposto pelo Conselho Superior de Advocacia contra a decisão que anulou a deliberação punitiva contra D e julgou procedente o recurso interposto pelo mesmo conselho contra a decisão que determinou que o Conselho pagasse os preparos.
Cfr. Acórdão proferido no processo n.º 129/2020 do Tribunal de Última Instância.