A, sendo inspector especialista principal da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, responsabilizou-se pelo tratamento dum caso de relação de trabalho estabelecida entre trabalhadores não residentes e a companhia B. Em 8 de Novembro de 2016, por volta das 16h58, A e C, inspector de 1.ª classe da DSAL, deslocaram-se à companhia B e nela realizaram inspecção sob a orientação do trabalhador não residente D. D e demais trabalhadores não residentes foram autorizados a exercer funções de “manipulador de ingredientes químicos”, porém, após a inspecção e verificação dos respectivos documentos, A detectou que a companhia B foi suspeita de violar a Lei da Contratação de Trabalhadores Não Residentes, não tendo efectuado o pagamento mensal de subsídio de alojamento de MOP$500,00 a alguns trabalhadores não residentes, bem como foi suspeita de distribuir aos trabalhadores não residentes as tarefas que não faziam parte da área de trabalho supramencionada. Em 19 de Novembro de 2016, ao meio-dia, A, visando obter vantagem patrimonial indevida, através de D, convidou, particular e activamente, o empregador E para um encontro num restaurante em Zhuhai. Na ocasião, A pediu a E que lhe pagasse uma quantia de MOP$50.000,00, com vista a resolver o problema das infracções cometidas pela companhia B, mas E recusou o pedido de A. Posteriormente, E redigiu uma carta de reclamação que foi dirigida ao Comissariado contra a Corrupção de Macau para denunciar o aludido acto praticado por A. Visando impedir que o CCAC verificasse o conteúdo da denúncia, A fez constar, deliberada e falsamente, de documento facto juridicamente relevante, bem como não fez constar, nos termos da lei, do processo da DSAL documentos relevantes que podiam ilustrar as infracções cometidas pela companhia B, pelo que os factos falsos foram projectados no relatório final do processo em apreço, consequentemente, um chefe de departamento, substituto, da DSAL acabou por proceder ao arquivamento do processo com base no relatório elaborado por A.
Findo o julgamento, o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base condenou A, pela prática, em autoria material e na forma consumada e deliberada, de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 337.º do Código Penal, de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art.º 347.º do Código Penal, e de um crime de falsificação praticada por funcionário, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 246.º do Código Penal, e, em cúmulo jurídico, foi o mesmo condenado numa pena única de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.
Inconformado, A interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância. Entendeu A que, por ter mantido o silêncio desde princípio, o Tribunal competente só podia avaliar a responsabilidade criminal de A com base noutras provas e, no decurso, o Tribunal a quo teve, irrazoavelmente, a tendência de adoptar os depoimentos das testemunhas, mas se esqueceu de ponderar a conclusão contrária indicada pelas demais provas, mormente deveria ser aplicado o princípio de in dubio pro reo por se verificar ainda “dúvida” nas provas.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso, apontando que, após a análise concreta das provas, averiguou-se que o Tribunal a quo não só ouviu as declarações prestadas por A na audiência de julgamento, mas também ouviu os depoimentos das testemunhas e apreciou os respectivos documentos. O Tribunal a quo, tendo analisado objectivamente as provas, ajuizou, conforme o princípio da livre convicção, os factos criminosos praticados por A. Na verdade, A duvidou sobre o reconhecimento de factos feito pelo Tribunal a quo, com o intuito de questionar sobre a livre convicção do juiz através da apresentação de opiniões distintas perante os factos dados como provados pelo Tribunal Colectivo. Isto não é permissível pela lei. In casu, na apreciação da prova, o Tribunal a quo não infringiu nenhum critério ou regra da experiência, pelo que A não devia tentar ilidir a convicção formada pelo Tribunal a quo apenas com base no seu ponto de vista. Ademais, não merecia provimento o motivo do recurso invocado por A no que respeita à insuficiência de facto para demonstrar a prática, pelo mesmo, de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, um crime de abuso de poder e um crime de falsificação praticada por funcionário.
Dest’arte, acordaram no Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso interposto por A, mantendo o acórdão a quo.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 963/2018.