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É nulo o processo disciplinar instaurado com base nos mesmos factos, em violação do princípio “ne bis in idem”


A é técnico superior da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais. Houve indícios de que A teria praticado uma infracção disciplinar em 25 de Junho de 2009, isto é, autorizou pessoa terceira a usar um lugar de estacionamento no auto-silo dum determinado edifício reservado à DSAL, pelo que, em 15 de Setembro do mesmo ano, a DSAL instaurou processo disciplinar contra A. Finda a audição das declarações de A, foi determinado pelo então Director dos Serviços para os Assuntos Laborais, por despacho de 5 de Novembro de 2009, o arquivamento do processo, por entender não haver provas suficientes que permitissem demonstrar que A tinha praticado alguma infracção disciplinar. Em 12 de Setembro de 2014, o Director dos Serviços para os Assuntos Laborais ordenou a instauração de novo processo disciplinar contra A, baseado nos mesmos factos a que se aludia no processo disciplinar supramencionado. Em 23 de Setembro de 2014, o Secretário para a Economia e Finanças ordenou a suspensão do procedimento disciplinar, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 328.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (doravante designado por “ETAPM”), até o trânsito em julgado da sentença que viesse a ser proferida pelo Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, no âmbito de um processo-crime em que figurava A como arguido. Em 5 de Junho de 2018, transitou em julgado a decisão penal que condenou A numa pena de 210 dias de multa, pela prática de um crime de abuso de poder, p. p. pelo art.º 347.º do Código Penal. A administração ordenou o prosseguimento do processo disciplinar em apreço, propondo que fosse aplicada a pena de demissão a A. Em 7 de Setembro de 2018, o Secretário para a Economia e Finanças decidiu aplicar a A a pena de suspensão de funções por um ano. Inconformado, A recorreu contenciosamente da decisão para o Tribunal de Segunda Instância. O Secretário para a Economia e Finanças introduziu alterações na acusação deduzida contra A, contudo, não efectuou a comunicação prévia destas alterações ao mesmo, por conseguinte, o Tribunal Colectivo do TSI julgou (parcialmente) procedente o recurso por se verificar a nulidade insanável no processo, devido à falta de audiência do arguido, a que se refere o n.º 1 do art.º 298.º do ETAPM, anulando, assim, o acto administrativo punitivo recorrido. Ainda inconformado, A interpôs recurso jurisdicional, para o Tribunal de Última Instância, contra o acórdão proferido pelo TSI.

O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso.

Ao abrigo do art.º 74.º do Código do Processo Administrativo Contencioso, o Tribunal Colectivo procedeu à apreciação da questão da violação do princípio “ne bis in idem” colocada por A. Conforme o Tribunal Colectivo, por força do art.º 14.º, n.º 7 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, tido como aplicável na RAEM pelo art.º 40.º da Lei Básica da RAEM, foi reconhecido e estatuído o princípio “ne bis in idem”, constituindo uma das suas evidentes manifestações o disposto nos artigos 6.º e 65.º, n.º 2, do Código Penal de Macau, quanto à matéria da “restrição à aplicação da lei penal de Macau” e no que toca à “determinação da medida da pena”. Em caso de condenação dum funcionário ou agente por sentença penal transitada em julgado, só haverá lugar a instauração de processo disciplinar contra o mesmo quando tal processo não tiver sido já instaurado. Como é evidente, não há lugar a instauração de novo processo disciplinar se tal processo tiver sido já instaurado, a Administração tiver ajuizado sobre a procedência da punição e decidido sobre a constituição de infracção disciplinar, e, em consequência, tiver sido concluído o processo. Nos termos do art.º 277.º do ETAPM, o princípio “ne bis in idem” aplica-se ao procedimento disciplinar. In casu, pela instauração do 2.º processo disciplinar, a DSAL realizou, efectivamente, uma recuperação e reapreciação da mesma matéria de facto que já tinha sido objecto de pronúncia em decisão que a deu como não provada em sede do 1.º processo disciplinar instaurado contra o mesmo arguido A, verificando-se a violação do princípio “ne bis in idem”. Esta situação integra a nulidade prevista no art.º 122.º do Código do Procedimento Administrativo, onde se prescreve que são nulos os actos que “ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental”.

Em face do exposto, acordaram no Tribunal Colectivo em conceder provimento ao recurso interposto por A, declarando-se a nulidade do acto administrativo que o puniu disciplinarmente, prejudicada ficando a apreciação das restantes questões colocadas por A.

Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 16/2021.



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