No dia 25 de Março de 2015 teve lugar em Macau a 9.ª edição dos “Asian Film Awards”, e a empresa A, um dos patrocinadores daquele evento, disponibilizou 25 veículos de luxo para receber os convidados, tendo também em vista a promoção e publicitação dos veículos por si comercializados. Logo, a empresa A adquiriu veículo novo e requereu a respectiva matrícula provisória, bem como, no dia 22 de Março de 2015, liquidou o Imposto sobre Veículos Motorizados (IVM), ao abrigo da al. 3) do art.º 2.º do Regulamento do Imposto sobre Veículos Motorizados (RIVM), e beneficiou de uma redução, no limite máximo legal de MOP60.000,00 das taxas do IVM, nos termos do Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012. A seguir, após o evento, a empresa A requereu o cancelamento dessa matrícula provisória, tendo armazenado o referido veículo. Em 2016, a coberto da venda do veículo em causa pela empresa A a um terceiro, veio a Direcção dos Serviços de Finanças efectuar uma liquidação adicional oficiosa de imposto sobre veículos motorizados, por considerar haver omissões ou erros na liquidação inicial do imposto. A transmissão do veículo de A para terceiro estava sujeita à liquidação adicional de imposto, uma vez que, à data da prática do acto de liquidação inicial, não tinha sido efectuada a demonstração documental do uso próprio do veículo e se verificava a falta de intenção de afectar o veículo a uso próprio, de forma permanente. A par disso, apontou a Administração que, com a entrada em vigor do Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015, em 9 de Abril de 2015, e da Lei n.º 14/2015, em 24 de Dezembro de 2015, foram alteradas as Tabelas I e II anexas ao Despacho do Chefe do Executivo n.º 41/2012 e a Tabela de Taxas do IVM constante do anexo ao RIVM, e o modelo do veículo em apreço não poderia gozar da redução de imposto.
A empresa A interpôs recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Economia e Finanças. Por despachos proferidos pelo Secretário, em 26 de Setembro de 2018, e 2 de Março e 29 de Junho de 2020, decidiu-se indeferir o recurso hierárquico necessário, mantendo-se a liquidação oficiosa adicional de imposto sobre veículos motorizados promovida pelo Director dos Serviços de Finanças. Inconformada, a empresa A recorreu, contenciosamente, dos aludidos despachos para o Tribunal de Segunda Instância (TSI). Por acórdãos proferidos em 28 de Maio e 10 de Dezembro de 2020, e 14 de Janeiro, 28 de Janeiro e 4 de Março de 2021, o TSI negou provimento aos recursos.
Ainda inconformada, a empresa A recorreu para o Tribunal de Última Instância (TUI).
O TUI conheceu do caso, indicando que era necessário discutir a legalidade da liquidação adicional oficiosa de imposto sobre veículos motorizados.
Conforme o TUI, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 18.º do RIVM, há lugar à liquidação oficiosa sempre que se verifique a falta de liquidação do imposto por parte do sujeito passivo, bem como omissões ou erros, de que haja resultado prejuízo para a Região Administrativa Especial de Macau. Todavia, no caso vertente, a recorrente liquidou o IVM, ao abrigo da al. 3) do art.º 2.º do RIVM. Vale aqui salientar que a liquidação inicial foi feita com base na afectação a uso próprio do veículo pela recorrente, enquanto a liquidação adicional foi promovida na sequência da venda do veículo a terceiro. Evidentemente, o imposto sobre veículos motorizados não pode incidir sucessivamente sobre dois factos tributários, sobre a transmissão para o consumidor, e sobre a afectação para uso próprio. Assim sendo, com a liquidação do imposto efectuada pela recorrente devido à afectação do veículo a uso próprio, é de afastar a nova liquidação do imposto por venda do veículo a terceiro. Ademais, a Administração não indicou concretamente se a primeira liquidação foi efectuada por um montante inferior ao legal, havendo diferença entre o montante já liquidado e o devido, pelo que não se verificam quaisquer omissões ou erros na referida liquidação realizada pela Administração. Resulta da própria designação do conceito que, sendo adicional a liquidação, esta se adiciona à liquidação anterior viciada, destinando-se a fazer o ajustamento necessário para ficar em conformidade com a lei.
Além disso, a Administração não comprovou a afectação do veículo não a uso próprio pela recorrente, nem revogou o acto tributário anterior, mas sim manteve-o, então já não podia efectuar a liquidação adicional. Na sequência da venda posterior do veículo pela recorrente a terceiro, a Administração aplicou o Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015 e a Lei n.º 14/2015 que foram publicados e entraram em vigor após a liquidação primitiva, para efectuar a liquidação adicional e exigir o novo pagamento, o que é um acto ilegal, visto que tais disposições não têm efeito retroactivo.
Aliás, a lei não exige que o sujeito passivo do imposto apresente a prova documental do facto tributário por ele declarado. Na realidade, a liquidação efectuada pela recorrente bem como o pagamento do imposto pela afectação a uso próprio do veículo foram aceites pela Administração. Por outro lado, também não resulta da lei a ideia de afectação permanente do veículo a uso próprio, bem podendo acontecer que, depois da afectação a uso próprio, o veículo possa ser vendido a terceiro.
Além do mais, segundo o TUI, não se coloca no presente caso a questão de evasão fiscal nem de fraude fiscal, uma vez que a liquidação adicional oficiosa não se deveu à existência de diferença entre os impostos devidos pela transmissão de veículo e pela afectação do veículo a uso próprio, mas sim se deveu ao novo disposto no Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2015 e na Lei n.º 14/2015 que foram publicados e entraram em vigor após a liquidação primitiva, porém, não se retirava dos autos que a recorrente tinha já conhecimento, na altura de liquidação do imposto, do sentido e da data da alteração do quadro legal e que, ao declarar a afectação do veículo a uso próprio, tivesse intenção de evasão fiscal ou de fraude fiscal.
De acordo com o TUI, uma vez não verificado o pressuposto da aplicação do art.º 18.º do RIVM, não se deve efectuar a liquidação adicional oficiosa do IVM.
Pelo exposto, acordaram no TUI em julgar procedentes os recursos jurisdicionais, revogando os acórdãos recorridos.
Posteriormente, a entidade recorrida deduziu reclamação para o TUI, alegando que o valor da causa era inferior à alçada do TSI (MOP1.000.000,00), pelo que não se deveria admitir o recurso jurisdicional, e que a decisão reclamada é nula por se verificar a omissão de apreciação da questão supracitada. Sobre este argumento, o Tribunal Colectivo assinalou o TUI que existia obviamente mal-entendido por parte da entidade recorrida, uma vez que, nos termos do no n.º 4 do art.º 18.º da Lei n.º 9/1999 (Lei de Bases da Organização Judiciária), alterada pela Lei n.º 4/2019, nas situações em que o TSI conheça da causa em primeira instância, a alçada deste tribunal é a dos tribunais de primeira instância (MOP15.000,00), e o valor da presente causa é, evidentemente, superior à alçada do TSI, não se verificando, portanto, o vício assacado pela reclamante.
Face ao exposto, o Tribunal Colectivo decidiu rejeitar a reclamação.
Cfr. Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Última Instância nos processos n.ºs 173/2020, 45/2021, 46/2021, 59/2021 e 82/2021.