Em 2016, A concedeu vários empréstimos a B. A fim de proteger os direitos e interesses de A, B, através de procuração, conferiu a A poderes sobre várias propriedades suas, incluindo a fracção X. Devido ao incumprimento, por B, da obrigação de pagamento da dívida, A deduziu, em 2 de Dezembro de 2016, no Tribunal Judicial de Base, a acção de execução contra B para reclamar o pagamento da quantia total de MOP16.557.328,52. Em 13 de Dezembro de 2016, B, C e a companhia de fomento predial D celebraram o contrato de cessão da posição contratual do contrato-promessa de compra e venda de imóvel, B cedeu a sua posição de promitente-compradora da fracção X a C, bem como, obteve o consentimento da companhia de fomento predial D. Antes disso, em 2 e 12 de Dezembro de 2016, B cedeu a sua posição contratual relativa às demais propriedades ou bens à companhia de C ou ao próprio C. Em 15 de Dezembro de 2016 e 5 de Janeiro de 2017, o TJB ordenou proceder ao arresto da fracção X. Por conseguinte, A intentou uma acção contra B, C e a companhia de fomento predial D. Após o julgamento, em 29 de Junho de 2020, o Juízo Cível do TJB julgou improcedentes vários pedidos formulados por A, incluindo a impugnação pauliana.
Inconformada, A interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância, considerando que havia vínculo profissional manifesto entre os mandatários judiciais inicialmente constituídos por B e o escritório de advogados E administrado por C, pelo que, antes da efectivação, por B, das respectivas cessões, C tinha perfeito conhecimento do litígio existente entre A e B, a par disso, C adquiriu os bens e a posição contratual de B, justamente, com vista a auxiliar B a “fugir das dívidas”.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso, apontando que o Tribunal a quo, por ter entendido que não foram apuradas as questões “Se C tinha conhecimento do litígio de dívidas existente entre A e B” e “Se C sabia que a celebração do contrato em apreço fazia com que não se satisfizesse o crédito que A tinha contra B”, violou as regras da experiência comum, bem como não ponderou os demais factos existentes na sua globalidade para proceder à devida presunção de facto. Conforme as informações constantes dos autos, B era cliente do escritório de advogados E e outorgou procuração em 24 de Novembro de 2016, constituindo seus mandatários judiciais três advogados do referido escritório, enquanto C era administrador desse mesmo escritório de advogados E. À luz dos factos provados, em pouco mais de dez dias após a outorga da sobredita procuração, C ou a companhia por ele administrada comprou três bens/direitos de B. O Tribunal Colectivo não considerou que houvesse coincidência entre as transacções supramencionadas e o litígio de dívidas existente entre B e A, mas, pelo contrário, com base nos momentos em que se realizaram as transacções, poderia presumir-se razoavelmente que C, por ser administrador do escritório de advogados E, tinha conhecimento do litígio de dívidas existente entre B e terceiro, bem como tinha, evidentemente, certo nível de conhecimento relativo ao procedimento legal de reclamação de pagamento das dívidas, prevendo que a credora iria requerer a providência cautelar, a fim de proteger os seus direitos e interesses. Deste modo, na realização das aludidas transacções, C tinha consciência que tais actos iam desencadear a diminuição da garantia patrimonial da credora de B, causando a impossibilidade de satisfação integral do crédito ou, pelo menos, a redução da possibilidade de cumprimento. Pelas razões acima expostas, o Tribunal Colectivo revogou as decisões proferidas pelo Tribunal a quo face às duas questões em apreço e procedeu à sua alteração. Segundo as decisões de facto alteradas e os demais factos provados, verificaram-se no caso vertente os elementos constitutivos da impugnação pauliana previstos nos artigos 605.º e 607.º do Código Civil, ou seja, sendo o crédito anterior às transacções, a devedora não provou que possuísse propriedades com valor equivalente ou superior às em causa, e verificou-se má-fé por, na realização das transacções, o adquirente C estar consciente do prejuízo que os actos causariam aos direitos e interesses da credora. Nesta conformidade, a cessão da posição contratual de promitente-compradora feita entre B e C é ineficaz perante A.
Face ao expendido, acordaram no Tribunal Colectivo em conceder provimento parcial ao recurso interposto por A, passando a julgar procedente a impugnação pauliana por ela deduzida.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 53/2021.