No período de 25 de Março de 2014 a 3 de Outubro de 2018, A era o sócio único da sociedade por quotas unipessoal em questão. Em 30 de Abril de 2018, D, ora empregado de A, teve o calcanhar direito batido por uma caixa de cartão com chocolates transportada pelo seu colega E, no momento em que D estava a trabalhar na sobreloja da referida sociedade, causando-lhe lesão por esmagamento no tornozelo direito. Em 7 de Junho de 2018, face a esse acidente de trabalho, D apresentou queixa ao Corpo de Polícia de Segurança Pública, bem como, em 5 de Julho do mesmo ano, participou à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais o caso do acidente de trabalho. No que respeita ao acidente sofrido por D, no tempo e no local de trabalho, na execução de ordens do empregador, ao abrigo dos artigos 3.º, 4.º e 46.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, na falta de apólice de seguro de acidentes de trabalho, cabe à sociedade em causa a responsabilidade de indemnizar D por despesas médicas despendidas, por incapacidade temporária absoluta e por incapacidade permanente parcial. Visando furtar-se à responsabilidade indemnizatória proveniente do acidente de trabalho sofrido por D, em 14 de Julho de 2018, A pediu a D que assinasse um “Termo de concertação” onde se estipularia o pagamento a D, por A e pelo empregado E, da quantia total de MOP4.000,00, a título de indemnização, além disso, pediu ainda a D que renunciasse a qualquer pedido de responsabilidades do referido acidente e, ainda, que apresentasse o pedido de desistência de queixa à Polícia. Até Setembro de 2018, A manteve contacto com os fiscais da DSAL e apresentou tempestivamente as devidas informações, por seu turno, a DSAL acompanhava e investigava, nos termos da lei, o acidente de trabalho em questão. Em 3 de Outubro de 2018, A apresentou o pedido de cancelamento do registo comercial da sociedade em causa à Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, mentindo ao afirmar que a aludida sociedade tinha deixado de funcionar no período entre Janeiro e Setembro de 2018, que o resultado do exercício era nulo, bem como não tinha nenhum bem nem crédito a distribuir ou débito a assumir, mas, na verdade, tal sociedade ainda se encontrava em funcionamento em 30 de Abril de 2018 e ainda não tinha liquidado a dívida emergente do acidente de trabalho em causa. Nesta conformidade, A foi acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de falsificação de documento de especial valor, p. e p. pelo art.º 244.º, n.º 1, al. b) do Código Penal de Macau, em conjugação com o art.º 245.º do mesmo Código.
O Tribunal Colectivo do Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base conheceu do caso.
De acordo com o Tribunal Colectivo, nos termos do art.º 60.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M, é nula a convenção contrária aos direitos ou às garantias conferidas no Decreto-Lei em apreço ou com eles incompatível; são igualmente nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos estabelecidos no supracitado Decreto-Lei. Assim sendo, a celebração do alegado “Termo de concertação” entre A e D relativo à responsabilidade indemnizatória não implicaria o termo da assunção da aludida responsabilidade. Ademais, na apresentação do pedido de cancelamento do registo comercial da sociedade em causa à Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, A sabia perfeitamente que o processo do acidente de trabalho sofrido por D ainda não estava concluído, ou seja, à parte empregadora ainda não tinha sido determinada a quantia da indemnização, por isso, a sociedade em causa ainda teria de assumir a dívida ilíquida resultante do acidente de trabalho. Porém, A mentiu ao afirmar que a aludida sociedade tinha deixado de funcionar no período entre Janeiro e Setembro de 2018, bem como não tinha nenhum bem nem crédito a distribuir ou débito a assumir. Na realidade, tal sociedade ainda se encontrava em funcionamento em 30 de Abril de 2018, data em que ocorreu justamente o acidente de trabalho sofrido por D. A fez inscrever falsamente no documento oficial do registo comercial um facto juridicamente relevante – a sociedade em causa não tinha nenhum bem nem crédito a distribuir ou débito a assumir –, e, em consequência, tal sociedade foi extinta depois de encerrada a liquidação. Devido ao acto ilícito acima exposto, o Governo adiantou, através do Fundo de Garantia de Créditos Laborais, a quantia de MOP47.249,01 para assegurar o pagamento da indemnização por acidente de trabalho, não incluindo as despesas médicas futuras de D.
Em face do exposto, o Tribunal Colectivo do Juízo Criminal do TJB condenou A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento de especial valor, p. e p. pelo art.º 244.º, n.º 1, al. b) do Código Penal de Macau, em conjugação com o art.º 245.º do mesmo Código, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Base no processo n.º CR4-21-0133-PCC.