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O TSI entende que se trata dum crime continuado por haver uma situação exterior que diminui a culpa do agente e uma única resolução criminosa


Em 24 de Outubro de 2006, A apresentou ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (doravante designado por IPIM) o requerimento de autorização de residência temporária para o próprio, abrangendo três elementos do seu agregado familiar (cônjuge B, filha C e filho D), com fundamento em aquisição de bem imóvel. Na assinatura do requerimento, A estava bem ciente de que deveria comunicar ao IPIM qualquer alteração da relação com os elementos do seu agregado familiar após a apresentação do requerimento, sob pena de incorrer em responsabilidade legal. Em 17 de Setembro de 2007, a A, B, C e D foi autorizada a residência temporária, bem como, em 26 de Dezembro do mesmo ano, lhes foram emitidos os respectivos Bilhetes de Identidade de Residente não permanente de Macau. Em 2 de Agosto de 2010, A e B trataram dos procedimentos de divórcio no Interior da China por conciliação efectuada no tribunal. Em 28 de Novembro de 2011, na apresentação do pedido de renovação de autorização de residência temporária ao IPIM, A declarou que ainda era casado, e assinou o respectivo requerimento para confirmação; a par disso, ele preencheu, assinou e apresentou uma Declaração de manutenção da relação de casamento, declarando que ainda mantinha a relação conjugal com B. Em 27 de Abril de 2012, na elaboração da escritura do contrato de compra e venda de imóvel no escritório do notário privado E, A declarou que era casado, e assinou a respectiva escritura para confirmação. A sabia perfeitamente que tinha sido dissolvida a relação matrimonial estabelecida entre ele e B, mas não comunicou tempestivamente o assunto ao IPIM, pelo contrário, prestou falsas declarações sobre elementos de identificação e, em consequência, foi renovada a autorização de residência temporária. Além do mais, A tinha perfeito conhecimento de que já era divorciado na altura da aquisição do imóvel, mas, ainda assim, declarou perante o notário que era casado, fazendo registar os dados falsos na escritura e assinando-a para confirmação, com o intuito de obter para si ou para outras pessoas benefícios ilegítimos e causar prejuízo a esta Região. Findo o julgamento, o Tribunal Judicial de Base condenou A, pela prática de dois crimes de falsificação de documentos, p. e p. pelo n.º 2 do art.º 18.º da Lei n.º 6/2004, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão para cada crime, e, em cúmulo jurídico, numa pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva. Inconformado, dessa decisão A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.

O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso.

Segundo o Tribunal Colectivo, no entendimento de A, na decisão recorrida verifica-se o erro notório na apreciação da prova e a incorrecta qualificação jurídica das condutas do mesmo. No que concerne ao erro notório na apreciação da prova, entende o Tribunal Colectivo que da análise da decisão recorrida, em conjugação com as regras da experiência comum, não se detecta qualquer erro ostensivo nos factos dados como provados, pelo que o motivo do recurso invocado por A não merece provimento. Em relação à incorrecta qualificação jurídica das condutas de A, assinala o Tribunal Colectivo que, à luz dos factos assentes, A declarou perante o IPIM e também perante o notário privado, quando da aquisição do imóvel, que se mantinha casado com B, com vista a demonstrar que reunia os pressupostos necessários à autorização de residência em Macau e à renovação dessa autorização. Deste modo, não merece censura a decisão, tomada pelo Tribunal a quo, da aplicação do n.º 2 do art.º 18.º da Lei n.º 6/2004 e não dos artigos 244.º e 245.º do Código Penal na imputação dos factos a A. Todavia, acrescenta o Tribunal Colectivo que o Tribunal a quo não chegou a esclarecer por que razão é que se defende a ideia de dois crimes autónomos, sem atender aos factores exógenos inerentes à prática dos dois factos por A. De acordo com os factos constantes dos autos, embora A tenha praticado, sucessivamente, em momentos distintos, dois factos que lhe foram imputados, este apenas tomou uma única resolução criminosa, a fim de alcançar melhor o seu objectivo. Visando manter a versão uniforme da declaração do estado civil, A foi “obrigado” a repetir o crime de falsificação de documentos quanto à manutenção da relação conjugal entre ele e B, embora a ocasião em causa não fosse considerada favorável à repetição do referido crime. Isto revela uma diminuição da culpa de A. Por conseguinte, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 29.º do Código Penal, A deve ser condenado por um crime continuado em vez de dois crimes autónomos.

Nos termos e fundamentos acima expostos, o Tribunal Colectivo passa a condenar A, pela prática, em autoria material e na forma continuada e consumada, de um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo n.º 2 do art.º 18.º da Lei n.º 6/2004, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses. Mantém-se o decidido na primeira instância face aos restantes assuntos.

Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 341/2019.