Em 29 de Dezembro de 2019, A transportava “Cocaína” de Hong Kong para traficar em Macau, pelo que, em 27 de Novembro de 2020, foi condenada pelo Tribunal Judicial de Base (TJB), pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes, na pena de 8 anos de prisão. Inconformada, A interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância (TSI). Por acórdão do TSI datado de 25 de Fevereiro de 2021, confirmou-se a anterior decisão. Ainda inconformada, A recorreu para o Tribunal de Última Instância (TUI) por entender que era excessiva a pena que lhe tinha sido aplicada.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso, apontando que, tendo em consideração a moldura penal para o crime de tráfico ilícito de estupefacientes, em conjugação com os critérios para a determinação da medida da pena previstos na lei e o que vem sendo entendido pelos Tribunais de Macau em matéria de pena em processos análogos, se averiguou que a pena aplicada nos presentes autos não merecia qualquer censura.
Todavia, conforme o Tribunal Colectivo, in casu, existe ainda um outro aspecto que importa ponderar: em sede da decisão proferida pelo TJB em 27 de Novembro de 2020, está assente que A começou a dedicar-se ao tráfico ilícito de estupefacientes em Setembro de 2019, vindo a ser detida, em flagrante delito, no dia 29 de Dezembro do mesmo ano. Por sua vez, está igualmente provado que, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes 2 dias antes de ser detida (27 de Dezembro de 2019), A foi condenada, em 10 de Setembro de 2020, noutro processo, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão (decisão transitada em julgado). No entendimento do Tribunal Colectivo, muito pouco feliz foi a tramitação processual levada a cabo com uma duplicação de inquéritos e de acusações imputadas a A, com os subsequentes dois julgamentos e duas decisões condenatórias independentes, portanto, deveria ter dado lugar a uma oportuna apensação de processos nos termos dos artigos 15.º e ss. do Código de Processo Penal de Macau. Mais, havendo que decidir se a situação em apreço se pode ou deve manter, com as suas legais consequências, ou havendo, oportunamente, que se efectuar o seu cúmulo jurídico de acordo com as regras da punição do concurso real de crimes estatuídas nos artigos 71.º e 72.º do Código Penal de Macau. Face a isso, indicou o Tribunal Colectivo que A cometeu crimes julgados nos dois processos sob o mesmo desígnio criminoso, e que os factos praticados por A em 27 de Dezembro de 2019 integram a conduta pela mesma desenvolvida nos presentes autos. Ademais, afigura-se constituir o aludido cúmulo jurídico das duas penas parcelares a A aplicadas uma solução incompatível com os fins do próprio processo penal, até mesmo porque atentatória do seu princípio fundamental “ne bis in idem”. Porém, tendo em conta que a condenação em sede doutro processo já transitou em julgado, e que a previsão normativa do art.º 72.º, n.º 2 do Código Penal em relação a decisões transitadas em julgado diz apenas respeito à punição do concurso real de crimes em consequência do seu conhecimento superveniente e não preceitua, de forma nenhuma, a situação destes autos, entendeu o Tribunal Colectivo que esse “vazio legal” deveria ser integrado pela analogia da disposição supracitada, desconsiderando o trânsito em julgado da decisão proferida noutro processo, a fim de se dar a factualidade do dia 27 de Dezembro de 2019 pelo qual foi A aí condenada como integrante da conduta e crime pela mesma cometido nestes autos. Nesta conformidade, ponderando-se o estatuído no art.º 73.º do Código Penal de Macau, ficou A condenada pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes.
Nos termos expostos, e pelos factos por A praticados nos dois processos, ficou a mesma condenada pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes, fixando-se-lhe a pena de 9 anos e 6 meses de prisão, descontando-se o tempo de prisão que já cumpriu.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 66/2021.