Por se ter introduzido três vezes na vivenda duma companhia e ter aí furtado bens, A foi condenado, pelo Tribunal Judicial de Base, como autor material da prática na forma consumada e continuada de 1 crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 198.º, n.º 1, al. e) e n.º 2, al. e), art.º 29.º, n.º 2, e art.º 201.º, n.º 1, todos do Código Penal de Macau (CPM), na pena de 1 ano e 9 meses de prisão. Inconformados, A e Ministério Público recorreram para o Tribunal de Segunda Instância. Findo o julgamento, o TSI negou provimento ao recurso interposto por A e concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, bem como alterou a decisão recorrida, passando a condenar A como autor material da prática em concurso real de 2 crimes de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 198.º, n.º 2, al. e) do CPM, na pena de 2 anos de prisão cada, e um outro de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 198.º, n.º 1, al. e) e n.º 2, al. e) do CPM, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, fixando-lhe a pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
Inconformado, A interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância, considerando que a sua conduta devia integrar a prática de um só crime continuado, nos exactos termos da decisão proferida pelo TJB.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso, entendendo que o conceito de crime continuado é definido como a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea, temporalmente próxima, e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente, exigindo-se uma apreciação e ponderação caso a caso, havendo, por sua vez, de se ter presente que a não verificação de um destes pressupostos leva à consideração da presença da figura da acumulação real. De especial relevo a ponderar é que as ditas circunstâncias externas que levam o agente a agir repetidamente têm de manter-se, evidenciando uma menor culpabilidade, o que já não ocorre se o agente actuou sucessivamente, mas ultrapassando, superando ou contornando obstáculos e resistências ao longo do iter criminis, afeiçoando a realidade exterior aos seus desígnios e propósitos, sendo ele a dominá-la, inexistindo, assim, motivos para que se considere verificada qualquer atracção ou solicitação para a prática reiterada do crime e, desta forma, como atenuada a sua culpa, não se podendo pois considerar os crimes pelo agente assim cometidos como um crime continuado.
Acrescentou ainda o Tribunal Colectivo que, de acordo com o TSI e o MP, neste caso, tal como nos factos provados, A por três vezes se introduziu na vivenda da companhia para furtar, mas, de cada vez, o modo de execução foi diferente. Da primeira vez usou uma chave para abrir a porta principal da vivenda, nesta situação os bens não estavam fechados à chave, furtou uma série de instrumentos; da segunda vez, depois de usar a chave para abrir a porta principal da vivenda, usou instrumentos encontrados no interior para abrir a porta do armazém e a fechadura da caixa de ferramentas, portanto tornou a furtar os bens; da terceira vez, usou a chave para se introduzir na vivenda, danificou a câmara de vigilância instalada fora do armazém, e usou instrumentos para cortar os fios das 4 máquinas de soldar, enfim furtou tais bens. Daí se vislumbra que a gravidade das circunstâncias dos crimes praticados por A se elevou sucessivamente, com excepção de ter usado uma chave para abrir a porta principal da vivenda, não se vê após o primeiro furto, outras circunstâncias que lhe facilitassem a prática do crime. Evidente é que A agiu com domínio sobre a situação, ultrapassando os instrumentos e instalações pela ofendida intencionalmente adoptados e instalados para impedir a repetição da conduta, totalmente inviável sendo a consideração de uma atenuação ou diminuição da sua culpa.
Nos termos expostos, em conferência, acordaram negar provimento ao recurso.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 136/2021.