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O TUI manteve a pena de demissão aplicada a um bombeiro condenado na pena de prisão por ter vendido um relógio encontrado pela sua esposa


A, ex-bombeiro, no dia 6 de Maio de 2017, vendeu numa casa de penhores um relógio apropriado ilegitimamente por sua esposa, e foi condenado, pelo TJB, pela prática dum crime de burla, p. p. pelo art.º 211.º, n.º 3 do CPM, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano. O Secretário para a Segurança instaurou processo disciplinar contra A, e por despacho de 15 de Maio de 2020, aplicou-lhe a pena de demissão. Inconformado com o assim decidido, A recorreu contenciosamente para o TSI, que rejeitou o recurso. Ainda inconformado, A interpôs recurso jurisdicional da decisão do TSI para o TUI.

O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso.

Indicou o Tribunal Colectivo que o crime de burla pelo qual foi condenado A é um crime doloso, pelo que a sua condenação pressupõe não só o apuramento dos factos objectivos constitutivos do crime, mas também a verificação do elemento subjectivo – o dolo de A. O TJB já esclareceu a referida questão e condenou A pela prática do crime. E ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 263.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), evidentemente, não pode A voltar a discutir no processo disciplinar os factos que lhe são imputados e a respectiva autoria, já provados no processo criminal, e em consequência, defender que se verificou a circunstância atenuante prevista na al. f) do n.º 2 do art.º 200.º do EMFSM, referente à “falta de intenção dolosa”. Por outro lado, tal como decorre dos factos provados no processo criminal, A teve conhecimento de que o relógio em causa se tratava de coisa alheia encontrada e não pertencia à sua esposa, pelo que não se afigura aceitável a invocação da confiança nas palavras da esposa para suportar a verificação da circunstância dirimente “a não exigibilidade de conduta diversa” prevista no art.º 202.º, al. e) do EMFSM. Além disso, não obstante A praticasse os factos imputados no seu dia de folga, trajando meramente à civil, e não dessa publicidade exterior alguma aos actos que lhe são imputados, certo é que, com a realização da audiência de julgamento aberta ao público conforme o art.º 77.º, n.ºs 1 e 6 do CPP, a notícia da sua condenação tornou-se do conhecimento público, sendo que, para qualquer cidadão, a prática do crime por um membro das forças de segurança prejudica seriamente a imagem, a reputação, o prestígio e a dignidade das forças de segurança da RAEM. Enfim, tendo em consideração as disposições do EMFSM que prevêem, respectivamente, a “aposentação compulsiva e demissão” (art.º 238.º), a “aposentação compulsiva” (art.º 239.º) e a “demissão” (art.º 240.º), cuja regulamentação diverge da consagrada no Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau sobre a mesma matéria, que tem apenas uma única norma (art.º 315.º) a reger em conjunto o pressuposto e as situações de aplicação de “aposentação compulsiva ou demissão”, entendeu o Colectivo que é intenção do legislador mandar aplicar a pena de demissão, e não aposentação compulsiva, aos casos referidos nas alíneas c), e), f), g), i), j) e l) do n.º 2 do art.º 238.ºdo EMFSM. Até se pode pensar que no art.º 240.º do EMFSM são previstas situações às quais cabe necessariamente a pena de demissão, independentemente de discussão sobre se a conduta do militarizado integra ou não a cláusula geral de inviabilidade de manutenção da relação funcional estabelecida no n.º 1 do art.º 238.º. Mesmo que assim não se entenda, já se verifica no caso sub judice a inviabilização da manutenção da relação funcional. Mesmo tomando em consideração a circunstância atenuante prevista na al. e) do n.º 2 do art.º 200.º do EMFSM, invocada por A, que se refere à “confissão espontânea da infracção ou a reparação do dano”, e as outras já ponderadas pela entidade recorrida no seu despacho punitivo, também não se afigura existir erro manifesto ou grosseiro da Administração ao considerar inviabilizada a relação funcional com A na aplicação da sanção disciplinar, e não se vê violado o princípio da proporcionalidade nem manifestamente desproporcional a pena de demissão concretamente aplicada.

Pelo exposto, acordaram no Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância no Processo n.º 89/2021.