Saltar da navegação

O TSI concedeu provimento parcial ao recurso relativo a um caso de abuso de poder para fins particulares praticado por um ex-chefe de divisão do IACM


A exercia funções de chefe da Divisão de Inspecção e Controlo Veterinário dos Serviços de Inspecção e Sanidade do então Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (actual Instituto para os Assuntos Municipais) desde 1 de Janeiro de 2006. A criou, por detenção de “quota oculta”, uma empresa com B e C, e abriu ainda uma clínica veterinária com D e E. Entre Junho de 2012 e Fevereiro de 2019, A, aproveitando o seu poder de chefia da Divisão de Inspecção e Controlo Veterinário dos Serviços de Inspecção e Sanidade do IACM, interveio, no total de 43 vezes, nos procedimentos de adjudicação de aquisição de bens e serviços realizados pela Divisão de Inspecção e Controlo Veterinário, a fim de facilitar a concessão de adjudicações à empresa supramencionada. A também fomentou, secretamente, a concessão do exercício da actividade de esterilização dos galgos à clínica da qual era sócio, bem como permitiu a utilização dos equipamentos e medicamentos do IACM por terceiros na realização dos negócios privados. Após a descoberta do caso, o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base julgou as acusações deduzidas contra os Réus e proferiu decisão em 15 de Janeiro de 2020, absolvendo A dum “crime de peculato de uso” que lhe tinha sido imputado e condenando A, B, C e D, pela prática do “crime de abuso de poder” e do “crime de falsidade de declaração (declaração de bens Patrimoniais e interesses)”, em penas de multa de 120 dias até de 4 anos de prisão efectiva, respectivamente.

Inconformados, da decisão recorreram para o Tribunal de Segunda Instância.

O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso. O Recorrente A alegou que o Tribunal a quo violou o princípio ne bis in idem por o ter condenado pela prática, na forma continuada, de dois “crimes de abuso de poder”. No entendimento do Tribunal Colectivo, in casu, A foi condenado pela prática, na forma continuada, de dois “crimes de abuso de poder” com base em factos distintos, pelo que não se verificou a violação do princípio ne bis in idem. Todavia, face ao segundo “crime de abuso de poder”, conforme os factos assentes, A só aproveitou o seu poder por uma vez, para obter o benefício ilícito para a clínica veterinária em causa, não havendo, assim, o mesmo tipo de crime cometido por várias vezes. Quanto à questão de saber se o aludido crime deveria ou não ser incluído no primeiro “crime de abuso de poder”, na forma continuada, e ser A condenado meramente por um crime continuado, apontou o Tribunal Colectivo que, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 29.º do Código Penal (só constitui um crime continuado quando se verifique causa exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente), no caso vertente não existia causa exterior que diminuísse consideravelmente a culpa de A. Pelo contrário, A obteve proveitos através do modelo de crime adoptado (criação de empresa), intensificando o seu desejo ganancioso e suscitando a intenção criminal, de modo a aproveitar novamente o seu poder para obter benefício. Essas circunstâncias de agravamento do caso não constituíam causa exterior que diminuísse consideravelmente a culpa de A. Deste modo, A deveria passar a ser condenado por um “crime de abuso de poder” singular, convolado do segundo “crime de abuso de poder”, na forma continuada, pelo qual ele foi condenado pelo Tribunal a quo.

No que concerne ao “crime de violação de segredo” imputado a A em consequência da “revelação de segredo”, nos procedimentos de aquisição, à empresa por ele criada, o Tribunal Colectivo concordou que a conduta de A (revelação de dados de outros fornecedores) constituiu, simultaneamente, “crime de violação de segredo” e “crime de abuso de poder”, e não se verificou a absorção ou substituição do “crime de abuso de poder” pelo “crime de violação de segredo”. Ao contrário, houve um concurso real entre esses dois crimes, uma vez que são diferentes os bens jurídicos que protegem: o “crime de abuso de poder” salvaguarda o não abuso de poder enquanto o “crime de violação de segredo” garante o segredo de funcionário. Porém, tendo em consideração o princípio de proibição de reformatio in pejus previsto no n.º 1 do art.º 399.º do Código de Processo Penal, o Tribunal Colectivo não poderia condenar A em pena correspondente.

Ademais, o Tribunal Colectivo rejeitou os fundamentos de recurso invocados pelos outros recorrentes, e, enfim, negou provimento aos recursos interpostos por B, C e D, mantendo a decisão a quo; concedeu provimento parcial ao recurso interposto por A, revogando a decisão a quo que o condenou pela prática, na forma continuada, do segundo “crime de abuso de poder”, passando a condená-lo, pela prática de um “crime de abuso de poder”, p. e p. pelo art.º 347.º do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, numa pena única de 4 anos de prisão efectiva; e, manteve as demais decisões a quo.

Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 296/2020.