Em 1 de Fevereiro de 2018, cerca das 19h30, o arguido A conduzia um táxi, circulando na Rua dos Pescadores, na direcção da Avenida da Amizade para a Avenida de Venceslau de Morais. Visando ultrapassar um automóvel que circulava à sua frente, A passou para o lado direito do aludido veículo e entrou na faixa de rodagem de sentido contrário, embatendo, fortemente, de frente, num motociclo que circulava nessa faixa (na direcção da Avenida de Venceslau de Morais para a Avenida da Amizade), o que causou a queda e lesões graves ao condutor B do motociclo, posteriormente, o lesado foi encaminhado ao Hospital Kiang Wu, onde se submeteu a tratamento médico. Conforme o exame clínico pericial, o acidente de viação em causa provocou a B “Incapacidade Permanente Parcial (IPP)”, com 23% da taxa de deficiência. Findo o julgamento, o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base condenou A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pela alínea b) do n.º 1 do art.º 279.º do Código Penal, em conjugação com os artigos 281.º e 273.º do mesmo Código, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e, pela prática de um crime de ofensa grave à integridade física por negligência grosseira, p. e p. pelo n.º 3 do art.º 142.º, e alínea c) do art.º 138.º do Código Penal, em conjugação com o art.º 93.º, n.ºs 2 e 3, al. 4) da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de 2 anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, foi o mesmo condenado na pena de 2 anos e 9 meses de prisão efectiva e na inibição de condução pelo período de 3 anos. Além disso, a companhia seguradora do veículo conduzido por A, ora 1.ª demandada civil C, foi condenada a pagar a B o montante de MOP2.420.735,86, a título de indemnização civil (incluindo o montante de MOP1.000.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, e o montante de MOP800.000,00, a título de indemnização por incapacidade permanente parcial).
Inconformados, o arguido A, o demandante civil B e a 1.ª demandada civil (Companhia de seguros C, Limitada) recorreram para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso. De antemão, quanto ao recurso interposto por A, A recorreu da matéria penal da decisão, considerando que o Tribunal a quo não o devia condenar, simultaneamente, pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado pelo resultado e pelo crime de ofensa grave à integridade física por negligência grosseira. Face a isso, apontou o Tribunal Colectivo que o crime de condução perigosa de veículo rodoviário é um crime de perigo, que é constituído quando se verifica, meramente, um perigo concreto; enquanto o crime de ofensa à integridade física por negligência é uma crime de dano, cujo elemento objectivo constitutivo do crime é a existência de ofensa efectiva à integridade física do ofendido e o bem jurídico protegido é a integridade física. Os dois crimes supramencionados protegem bens jurídicos diferentes, pelo que, em princípio, deve haver uma relação de concurso material entre eles. Porém, este caso era diferente, uma vez que o arguido foi condenado pela prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto no art.º 279.º do Código Penal, com circunstâncias agravantes, previstas nos artigos 281.º e 273.º do Código Penal, consequentemente, o bem jurídico (integridade física) a ser legalmente protegido foi incorporado às circunstâncias agravantes consagradas nos artigos em apreço, tornando-se um dos elementos constitutivos do referido crime qualificado. Isto deu lugar a um concurso ideal entre o crime sobredito e o crime, previsto n.º 3 do art.º 142.º, e alínea c) do art.º 138.º do Código Penal, com circunstâncias agravantes, previstas no art.º 93.º, n.ºs 2 e 3, al. 4) da Lei do Trânsito Rodoviário. Assim, o arguido deve ser condenado pela prática do primeiro crime por ser mais elevada a pena aplicada. Concedeu-se provimento a essa parte do recurso interposto por A, passando ele a ser condenado, unicamente, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado pelo resultado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva.
Por outro lado, quanto ao recurso interposto por B, B não se conformou com o Tribunal a quo que apenas fixou o montante de MOP1.000.000,00 como indemnização por danos não patrimoniais, e o montante de MOP800.000,00 como indemnização por incapacidade permanente parcial, bem como indeferiu o pedido de indemnização de despesas de assistência médica eventualmente a fazer no futuro. Assim sendo, o Tribunal Colectivo concedeu provimento à parte do recurso interposto por B, no que respeita às “despesas de assistência médica futuras”, consequentemente, ao Recorrente seriam pagas as despesas de assistência médica resultantes de cirurgia de reparo de cicatriz, de tratamento fisioterapêutico e de tratamento de reabilitação, cujo montante concreto seria liquidado na execução da decisão. No que concerne à indemnização por incapacidade permanente parcial, assinalou o Tribunal Colectivo que só existe a intervenção do Tribunal ad quem quando a decisão do Tribunal a quo for manifestamente inadequada e injusta. À luz dos fundamentos e provas em que se baseava a decisão do Tribunal a quo, mormente, tendo-se em consideração a idade do demandante civil, a profundidade e amplitude do impacto causado aos seus rendimentos do trabalho por incapacidade, e os 23% da taxa de deficiência deste, verificou-se desequilíbrio manifesto na decisão que tinha fixado o montante de MOP800.000,00 como indemnização por IPP, o que deveria ser regularizado. O Tribunal Colectivo concluiu que era mais adequado fixar o montante de MOP1.200.000,00 a título de indemnização por IPP, por conseguinte, concedeu provimento a essa parte do recurso. Foi negado provimento à parte do recurso respeitante à indemnização por danos não patrimoniais. A par disso, foi negado provimento ao recurso interposto pela 1.ª demandada civil (Companhia de seguros C, limitada).
Face ao expendido, acordaram no Tribunal Colectivo em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido A, conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo demandante civil B, e negar provimento ao recurso interposto pela 1.ª demandada civil (Companhia de seguros C, Limitada).
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 608/2020.