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TSI: Há resolução criminosa independente em cada concessão do empréstimo, e os respectivos actos constituem a prática em concurso real de crimes


Em 11 de Junho de 2019, o ofendido perguntou ao arguido A, por wechat, se podia conceder-lhe empréstimo para jogo, e convidou o arguido a ir ao seu quarto do hotel para discutir esse assunto da concessão de empréstimo e respectiva condição. Após discussão, A concedeu ao ofendido um empréstimo no montante de HKD$200.000,00 na condição de cobrar um juro de 25% sobre o montante de cada aposta no caso de o ofendido ganhar o lance com 8 e 9 pontos. Depois de ter ganhado no jogo e liquidado o empréstimo, o ofendido pediu, no dia 13 do mesmo mês, mais uma vez ao arguido a concessão de empréstimo para jogo. Após discussão, o arguido consentiu em conceder um segundo empréstimo ao ofendido com a mesma condição. Depois de ter perdido este segundo empréstimo no jogo, o ofendido, no dia 14 do mesmo mês, contactou o arguido por wechat, e pediu novamente a concessão de empréstimo para jogo. Após discussão, o arguido consentiu em conceder um terceiro empréstimo ao ofendido com a mesma condição.

Por conseguinte, A foi acusado da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de três “crimes de usura para jogo com exigência ou aceitação de documentos”, p. p. pelos art.ºs 13.º, n.º 1, 14.º e 15.º da Lei n.º 8/96/M, conjugados com o art.º 219.º, n.º 1 do CPM. Após julgamento, o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base passou a condenar A pela prática, em co-autoria material e na forma continuada e consumada, de um “crime de usura para jogo com exigência ou aceitação de documentos”, p. p. pelos art.ºs 13.º, n.º 1, 14.º e 15.º da Lei n.º 8/96/M, conjugados com os art.ºs 219.º, n.º 1 e 29.º, n.º 2 do CPM, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos; e com igual aplicação da pena acessória de proibição de entrada em todos os casinos da RAEM pelo período de 3 anos.

Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que não estavam preenchidos os requisitos do crime continuado por falta de unidade de resolução criminosa em termos genéricos, e a sentença do Tribunal a quo violou o art.º 400.º, n.º 1 do CPP, incorrendo em erro na aplicação da lei.

O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso, indicando que, a questão nuclear do presente caso reside em saber se os três empréstimos para jogo concedidos pelo arguido constituem três crimes praticados em concurso, ou apenas um crime continuado previsto pelo art.º 29.º, n.º 2 do CPM. De acordo com os factos provados, ao conceder cada empréstimo, o arguido discutiu novamente com o ofendido a condição do empréstimo, e exigiu que o ofendido assinasse um novo recibo e apresentasse o seu documento de identificação como garantia. Dito por outras palavras, em cada concessão de empréstimo, havia uma resolução criminosa independente, uma discussão independente da condição do empréstimo e uma formalidade de concessão independente, não se verificando qualquer solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do arguido no cometimento do novo crime. Por isso, as referidas condutas constituem a prática em concurso real de crimes, e não um crime continuado, pelo que é de revogar a sentença do Tribunal a quo, e passar a condenar o arguido pela prática de três “crimes de usura para jogo com exigência ou aceitação de documentos”. Quanto à medida da pena, in casu, o arguido é delinquente primário e confessou parcialmente os factos acusados, mas tais circunstâncias não atenuam necessariamente a pena, constituindo antes um dos elementos ponderados na medida concreta da pena.

Pelo exposto, o Tribunal Colectivo do TSI concedeu provimento ao recurso do MP, revogou a decisão do Tribunal a quo, e passou a condenar A pela prática de três “crimes de usura para jogo com exigência ou aceitação de documentos”, p. p. pelos art.ºs 13.º, n.º 1, 14.º e 15.º da Lei n.º 8/96/M, conjugados com o art.º 219.º, n.º 1 do CPM, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão por cada crime, e em cúmulo jurídico, numa pena global de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, com igual aplicação da pena acessória de proibição de entrada em todos os casinos da RAEM pelo período de 4 anos.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, no Processo n.º 1083/2020.