Em 18 de Março de 1992, a sociedade B e a sociedade C celebraram um “contrato de cooperação para o desenvolvimento” do terreno com o n.º 31 da Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, no qual C concordou em investir HKD$162.000.000,00 na construção no aludido terreno de um edifício, ficando B responsável pela organização/construção, e garantindo que os lucros deste projecto seriam no montante de HKD$81.000.000,00. Visando ao cumprimento do contrato, em 2 de Abril de 1992, B outorgou uma escritura pública de confissão de dívida e hipoteca a favor de C, confessando-se devedora da quantia de HKD$243.000.000,00 e constituindo uma hipoteca sobre o aludido imóvel; nesta mesma data, B emitiu também uma procuração irrevogável a favor de C, pela qual lhe conferiu o poder de disposição sobre o referido imóvel.
Em 21 de Junho de 1994, a sociedade A celebrou com B um contrato-promessa de compra e venda de 91 lugares de estacionamento do aludido edifício a ser construído no terreno em apreço, pelo preço total de HKD$15.925.000,00, tendo A pagado inicialmente a B o montante de HKD$5.300.000,00.
Em 27 de Dezembro de 2002, C, usando a procuração emitida por B, na qualidade de procuradora desta, celebrou com a sociedade E um contrato-promessa de compra e venda do prédio supramencionado pelo preço de HKD$50.600.000,00. Em 30 de Outubro de 2003, C, usando novamente a procuração emitida por B, na mesma qualidade de procuradora desta, adquiriu o dito prédio pelo preço de HKD$52.118.000,00, mediante celebração de escritura pública de compra e venda, ficando esta aquisição devidamente registada. Em 19 de Dezembro de 2003, C emitiu uma procuração a favor de E, conferindo-lhe os poderes de administração e disposição sobre o mencionado imóvel. Em 8 de Janeiro de 2004, E, usando a procuração em causa, na qualidade de procuradora de C, vendeu à sociedade D o prédio em questão pelo preço de HKD$63.000.000,00, mediante celebração de escritura pública de compra e venda, tendo, enfim, D adquirido o prédio, cujo registo foi feito a seu favor.
Em 4 de Setembro de 2018, A intentou no Tribunal Judicial de Base uma acção contra B, C, D e E, em que peticionava a declaração da nulidade dum “contrato de cooperação para o desenvolvimento”, duma escritura pública de confissão de dívida e hipoteca, de duas procurações (de 2 de Abril de 1992 e de 19 de Dezembro de 2003) e de duas escrituras públicas de compra e venda (de 30 de Outubro de 2003 e de 8 de Janeiro de 2004), bem como o cancelamento dos respectivos registos.
Após o julgamento, o Juiz do TJB julgou improcedentes todos os pedidos formulados pela Autora A. Inconformada, da decisão recorreu A para o Tribunal de Segunda Instância. Tendo conhecido do caso, acordaram no Tribunal Colectivo do TSI em conceder provimento ao recurso interposto por A, anulando a decisão do Tribunal a quo.
Inconformadas, do acórdão recorreram C e D para o Tribunal de Última Instância.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso. No que concerne à questão da (i)legitimidade da Recorrida (Autora), segundo o Tribunal Colectivo, nos termos do disposto no art.º 279.º do Código Civil, a nulidade do negócio jurídico é invocável por qualquer sujeito interessado com direito afectado, além disso, é necessário atender também ao preceituado no art.º 600.º do Código Civil, ou seja, à qualidade dos “credores”. In casu, à luz das informações constantes dos autos, embora a Autora se apresente como credora da 1.ª Ré B, não possui nenhum crédito sobre as restantes Rés (C, D e E). No entendimento do Tribunal Colectivo, a “relação jurídica” entre a Autora e B não ficou afectada com a celebração dos referidos negócios jurídicos (e actos jurídicos). De acordo com a Autora, a escritura pública de compra e venda celebrada em 30 de Outubro de 2003 provocou eventualmente diminuição da garantia patrimonial. Face a isso, entendeu o Tribunal Colectivo que a Autora devia impugnar o acto supracitado ao abrigo do art.º 600.º do Código Civil, e não os seus “actos prévios”. Deste modo, à Autora não assiste nenhum interesse nos pedidos da declaração de nulidade do “contrato de cooperação para o desenvolvimento”, da escritura pública de reconhecimento de dívida e hipoteca e da procuração irrevogável, por ela apresentados.
Mais, assinalou o Tribunal Colectivo que, caso não se concordasse com a sobredita conclusão, considerando-se que à Autora assistia legitimidade para impugnar esses actos, a nulidade da procuração causaria meramente a “ineficácia” do acto da celebração da escritura pública de compra e venda (art.º 261.º do Código Civil), porém, o art.º 600.º do Código Civil apenas confere aos credores o direito de impugnarem os actos nulos, e não os actos “anuláveis”. A acção proposta pela Autora era manifestamente inviável, pois que à Autora não assistia legitimidade substantiva para os pedidos de nulidade que tinha deduzido, havendo, assim, que se revogar a decisão recorrida para ficar a valer a proferida pelo Juiz do TJB.
Em face do que se deixou exposto, em conferência, acordaram conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 208/2020.