Em Outubro de 2016, apareceu um inchaço de 2cm no lado esquerdo da face de A, pelo que esta se dirigiu à estomatologia do Centro Hospitalar Conde de S. Januário (CHCSJ), e foi atendida pelo médico-assistente B. Após extraído o tecido do inchaço para exame, verificou-se que se tratava de tumor maligno. Entre Novembro de 2016 e Junho de 2017, o CHCSJ efectuou electroterapia e quimioterapia a A, e enviou-a para drenagem de abcesso e electroterapia ao Hospital Kiang Wu, mas na maior parte do tempo, o CHCSJ limitou-se a limpar a ferida de A, e não ofereceu programa terapêutico explícito. C, ou seja o marido de A, pediu, em Junho de 2017 e Fevereiro de 2018, ao CHCSJ para efectuar a terapia direccionada a A, e B respondeu, no início, que não era adequado usar tal terapia no caso de A, mas depois, passou a dizer que o CHCSJ não tinha essa terapia. No dia 28 de Fevereiro de 2018, C pediu ao Director do CHCSJ para encaminhar A para serviços médicos no exterior, e o CHCSJ respondeu que tinha as terapêuticas imunitária e medicamentosa, mas C entendeu que essas terapêuticas não tinham efeito. A fim de procurar terapêutica adequada, A e C foram a hospitais em Cantão e Hong Kong, e ao Hospital da Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau. No dia 19 de Novembro de 2018, C, em companhia de Deputado da Assembleia Legislativa, pediu ao CHCSJ para enviar A para serviços médicos no exterior, e o Director do CHCSJ respondeu que iria estudar activamente esse pedido. Finalmente, A morreu de doença no dia 30 de Novembro do mesmo ano. Em 28 de Outubro de 2019, D, ou seja o filho de A, pediu à Comissão da Perícia do Erro Médico (adiante designada por Comissão) para realizar a perícia para verificação da eventual existência de erro médico no tratamento de A, efectuado pelo CHCSJ e por B, pedido esse que foi indeferido pela Comissão por extemporaneidade. Dessa decisão foi interposto, por D, recurso contencioso para o Tribunal Administrativo, que por sua vez, julgou procedente o recurso contencioso e anulou a decisão da Comissão. Inconformada, a Comissão recorreu da respectiva sentença para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso.
Indicou o Tribunal Colectivo que, in casu, é imprescindível analisar se foi extemporâneo o requerimento de perícia para a verificação do erro médico, apresentado por D nos termos do art.º 13.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2016. Segundo o que alegou a Comissão, desde Fevereiro de 2018, D já tinha apresentado impugnação por várias vezes sobre a questão do tratamento médico da sua mãe A no CHCSJ, e naquela altura, com o agravamento da doença de A, ele já sabia da eventual existência do erro médico, mas só requereu a perícia em 28 de Outubro de 2019, data em que já tinha passado o prazo de 1 ano para pedir perícia, a contar da data da eventual ocorrência de erro médico, previsto pela supracitada norma, pelo que nos termos do art.º 11.º, n.º 1, al. 4) do Regulamento Administrativo n.º 3/2017, deve ser indeferido o referido pedido. Relativamente a esse fundamento da Comissão, apontou o Colectivo que, atendendo ao Parecer n.º 3/V/2016 da 3.ª Comissão Permanente da AL, ao consagrar o aludido prazo, o legislador teve por finalidade imitar o art.º 491.º do Código Civil de Macau. Num certo sentido, ao fixar um prazo mais curto para apresentar o pedido de perícia, pretendeu o legislador excluir certos pedidos de perícia que não se podem realizar por ter decorrido muito tempo, estipulando que o referido prazo deve ser contado a partir do conhecimento da eventual ocorrência de erro médico. O art.º 3.º da Lei n.º 5/2016 deu uma definição do erro médico, do qual um dos requisitos constitutivos é o acto causar danos à saúde física ou psíquica dos utentes, exigência essa que é idêntica à da responsabilidade civil por danos causados por factos ilícitos. Dito por outras palavras, caso fique provado que o interessado já tomou conhecimento da eventual consequência de danos causados por acto médico, pode-se dizer com certeza que já tomou conhecimento da eventual existência do erro médico. O Colectivo entendeu que, in casu, só no momento de falecimento de A é que foi realmente causado o dano, e antes disso, não importa o facto de D ter impugnado as terapêuticas e exigido o envio de A para serviços médicos no exterior, e não é possível exigir a D que recorresse antecipadamente aos meios de assistência, face ao erro médico que ainda não tinha ocorrido, e apresentasse o pedido de perícia. Além disso, devido ao prolongado tempo do tratamento médico de A, não é possível exigir que D tivesse consciência, em certo momento, da eventual existência do erro médico e apresentasse o pedido de perícia. E não obstante a doença de A continuasse a deteriorar-se, não se podia considerar ainda assim que D já tinha conhecimento do eventual erro médico. Por um lado, a lei não dá qualquer importância ao agravamento de doença para o reconhecimento do erro médico, e por outro, o processo de serviço médico é bastante complexo, podem as condições do paciente ser alteradas devido a intervenções médicas diferentes, e só depois de ocorrer a consequência do dano, isto é, a morte do paciente, é que se está em condições de ter uma visão retrospectiva de todo o processo de prestação do serviço médico, para saber se existiu acto médico causador da deterioração irreversível da doença do paciente, e com base nisso, determinar se há erro médico. Por isso, entendeu o Colectivo que o prazo de 1 ano para requerer perícia para a verificação do erro médico, deve ser contado a partir de 30 de Novembro de 2018, ou seja, data em que A faleceu. D apresentou o respectivo pedido de perícia no dia 28 de Outubro de 2019, isto é, dentro do referido prazo.
Pelo exposto, acordaram no Tribunal Colectivo do TSI em negar provimento ao recurso da Comissão da Perícia do Erro Médico, e manter a decisão recorrida.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, no Processo n.º 374/2021.