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A entrega parcial, pelo credor, do montante referido no contrato de empréstimo não impede que esse contrato constitua o título executivo


A e B outorgaram 6 documentos, nos quais B declarou que tinha contraído empréstimos junto a A e tinha recebido dele os seguintes montantes: HKD$6.780.000,00, HKD$2.000.000,00, HKD$1.600.000,00, HKD$1.600.000,00, HKD$2.538.000,00 e HKD$1.500.000,00; a par disso, prometeu B que iria pagar as dívidas a A respectivamente em 11, 17, 24, 27 e 30 de Novembro de 2016. A intentou uma acção executiva no Tribunal Judicial de Base contra B, com base nos aludidos 6 documentos que serviram de título executivo. Por seu turno, B deduziu oposição por embargos à execução, uma vez que ele não tinha a obrigação de pagar nenhumas dívidas. O Juiz presidente do Tribunal Colectivo do TJB julgou parcialmente procedentes os embargos. Inconformado, B recorreu para o Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao recurso e manteve a decisão do TJB.

Ainda inconformado, B interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância, alegando: (1) Nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 571.º do Código de Processo Civil, é nula a decisão do TSI, visto que o TSI não conseguiu determinar a obrigação por desconhecer se a relação jurídica em causa era um empréstimo ou investimento, e, consequentemente, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento; (2) A decisão do TSI interpretou e aplicou incorrectamente os artigos 452.º, n.º 1, e 1070.º do Código Civil, já que o título executivo era inválido por desconhecimento do montante exacto do empréstimo entregue por A a B; (3) A decisão do TSI interpretou e aplicou incorrectamente o art.º 686.º do Código de Processo Civil, uma vez que se verificavam a inexigibilidade e a indeterminação da obrigação; e, (4) A decisão do TSI interpretou e aplicou incorrectamente os artigos 9.º e 385.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil, visto que A foi suspeito da distorção ou ocultação dos factos relevantes para a decisão.

O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso.

De antemão, apontou o Tribunal Colectivo que nas alegações do recurso apresentadas por B ao TUI não se mencionou/mencionaram qual/quais questão/questões de que o TSI e o TJB não podiam tomar conhecimento, o que desencadeou a nulidade da decisão. Na verdade, o Juiz presidente do Tribunal Colectivo do TJB revelou no acórdão a “natureza da transacção”. Apesar da testemunha ter dito que a transacção era um investimento, conforme as circunstâncias do caso e de todos os acordos, os montantes em apreço eram quantias do empréstimo, além disso, os articulados qualificavam, frequentemente, a relação existente entre A e B como um empréstimo. Daí se mostra evidentemente que, no presente caso, se trata duma transacção com natureza de empréstimo. No entendimento do TSI, o TJB não conheceu das questões que não tinham sido invocadas pelas partes. Face a isso, entendeu o Tribunal Colectivo do TUI que, independentemente da relação contida no contrato, não houve nada que afectasse a validade da declaração do recebimento dos montantes e da promessa do seu reembolso a fazer por B na data designada no contrato. A acção executiva intentada pelo exequente visa reclamar a quantia que não foi reembolsada pelo executado após decorrido o prazo, então, o Tribunal apenas necessita de conhecer da veracidade das palavras do exequente. O TSI não ultrapassou a sua jurisdição, não tendo conhecido das questões de que não podia tomar conhecimento, pelo que não se verificou o vício de nulidade da decisão invocado por B.

Ademais, nos termos do disposto no art.º 1070.º do Código Civil, o contrato de mútuo consiste em uma parte emprestar à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade. Embora A apenas tenha efectuado a entrega parcial do montante referido no contrato, a “falta da entrega parcial” não afecta a validade geral do contrato, portanto, nos termos da alínea c) do art.º 677.º do Código de Processo Civil, os documentos supramencionados constituem o título executivo.

No que concerne à questão de exigibilidade e determinação da obrigação, de acordo com o Tribunal Colectivo, embora A não tenha efectuado a entrega integral do montante, em relação à quantia que tinha sido entregue a B, B é obrigado a devolver essa quantia a A na data designada. Quanto ao valor concreto da obrigação, por se tratar dum caso de entrega parcial do montante, cabe a B o ónus da prova do valor concreto do montante que ainda não foi entregue por A. Se o Tribunal apurar que existe “pelo menos” a falta de entrega de parte do montante, B não pode argumentar, com base nesse facto, que não consegue saber o valor concreto do montante a entregar e, em consequência, considera que a obrigação “ainda não foi efectivamente determinada”.

Acrescentou o Tribunal Colectivo que A, ao contestar os argumentos trazidos nos embargos à execução, fez um esclarecimento profundo sobre os motivos da celebração do contrato e os detalhes do empréstimo, bem como confessou na audiência de julgamento que não tinha entregado parte do montante a B. Tais esclarecimentos e confissão de A não equivalem à distorção ou ocultação da verdade, pelo que não se verificou o vício de interpretação e aplicação incorrectas dos artigos 9.º e 385.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil indicado por B.

Em face do exposto, acordaram no TUI em negar provimento ao recurso interposto por B.

Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 101/2021.