As duas sociedades formaram consórcio (doravante designado por A), com o objectivo de empreitar a obra de construção da nova estação elevatória de águas pluviais da Baía do Norte do Bairro de Fai Chi Kei, incumbida pelo então Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (doravante designado por “o então IACM”). Em 20 de Março de 2012, por despacho do então Chefe do Executivo, foi adjudicada a obra em causa a A, pelo preço de MOP76.307.492,00. A obra teve início em 15 de Agosto de 2012. Em 17 de Setembro do mesmo ano, A foi notificado pelo então IACM da alteração da concepção devido à deslocação da estação, sendo todos os trabalhos suspensos desde 18 do mesmo mês. Em 8 de Maio de 2015, A e os representantes do então IACM tiveram uma reunião, onde o então IACM informou A de que, por causa do conflito entre o novo projecto reajustado e a localização dos corredores exclusivos para autocarros, seria cancelado o novo projecto. Em seguida, A e os representantes do então IACM discutiram sobre a resolução do contrato da execução da obra. Em 10 de Junho do mesmo ano, o então IACM enviou a A, por correio electrónico, a revisão da acta da reunião acima referida. Posteriormente, foram realizadas duas reuniões, mas as partes não chegaram a acordo quanto ao montante da indemnização. Em 31 de Julho e 15 de Outubro de 2015 e em 10 de Abril de 2018, A apresentou ao então IACM o plano de compensação da resolução do contrato, que acabou por não ser aceite. Em 21 de Junho de 2018, o então IACM exigiu que A fornecesse documentos e informações referentes à indemnização solicitada, e enumerasse, de forma discriminada, os respectivos itens. Em 12 de Setembro do mesmo ano, A enviou uma carta ao então IACM, apontando que deveria ser indemnizado ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 208.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M. Em 21 de Março de 2019, o Instituto para os Assuntos Municipais respondeu a A que se fixou em MOP51.150,00, a título de indemnização pelas despesas despendidas na fase inicial da execução e durante o período da suspensão da obra, e em MOP297.171,80, a título de indemnização pelos prejuízos emergentes da resolução do contrato, deveria indemnizar A um montante total de MOP348.321,80. Em 20 de Setembro do mesmo ano, A intentou no Tribunal Administrativo a acção sobre contrato administrativo contra a decisão supracitada. O TA julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Região Administrativa Especial de Macau (doravante designada por RAEM) a pagar a A a quantia de MOP348.321,80. Inconformado, dessa sentença recorreu A para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu conceder provimento ao recurso, condenando a RAEM a pagar a A a quantia de MOP7.630.749,20. Inconformada, veio a RAEM, representada pelo Ministério Público, recorrer para o Tribunal de Última Instância.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso.
Antes de mais, assinalou o Tribunal Colectivo que, nos termos do disposto no art.º 214.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, há que apurar se, neste caso concreto, está em causa uma resolução unilateral (rescisão) ou uma resolução convencional do contrato de empreitada. Apontou ainda o Tribunal Colectivo que conforme a acta da reunião realizada entre A e o então IACM em 8 de Maio de 2015 – “o empreiteiro está disposto a resolver o contrato da execução da obra em epígrafe por mútuo acordo, sob condição de…”, que foi depois revista e nela passou a constar que as partes “concordaram, em princípio, em resolver, por acordo, o contrato”, revisão esta que não foi posta em causa por A. A par disso, A afirmou nas duas cartas enviadas (em 31 de Julho e 15 de Outubro de 2015) ao então IACM que “as duas partes (decidem) agora resolver o contrato por acordo”. No entendimento do Tribunal Colectivo, a extinção do contrato por mútuo acordo ficou inequivocamente assente entre A e o então IACM, ainda que não chegassem a acordo sobre as indemnizações. Na verdade, tal como demonstra a matéria de facto, inexiste qualquer elemento probatório que permita concluir pela rescisão unilateral do contrato pelo então IACM. Nem A chegou a alegar, o procedimento administrativo previsto nos artigos 209.º e 212.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M, ao qual está sujeita a rescisão do contrato e, muito menos, o acto administrativo através do qual se teria efectivado a rescisão unilateral do contrato de empreitada. Ademais, nos termos do disposto no art.º 215.º do Decreto-Lei em apreço, a lei permite a fixação dos seus efeitos depois da resolução convencional. O princípio da liberdade contratual, consagrado no art.º 399.º do Código Civil de Macau, manifesta-se não só quando o contrato é celebrado mas também quando, por acordo, se decide pôr-lhe termo. A lei não obriga a que as partes fixem os efeitos da resolução no momento em que a declaram. O que ela diz é que havendo acordo sobre os efeitos da resolução estes devem constar do acordo. Daí que é possível haver uma resolução convencional sem que estejam previamente definidos os seus efeitos. Destarte, entendeu o Tribunal Colectivo que, efectivamente, houve uma resolução convencional do contrato de empreitada em causa. No que concerne à determinação da quantia indemnizatória, de acordo com o Tribunal Colectivo, em primeiro lugar, o art.º 208.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M é aplicável à rescisão unilateral do contrato e não à resolução convencional do contrato, como a situação do presente caso; em segundo lugar, embora se entenda que a norma pode servir de referência para efeito de fixar razoavelmente o critério de indemnização, nos casos de resolução convencional em que não tenha sucesso a negociação entre as partes sobre a quantia indemnizatória, a eventual indemnização depende da respectiva alegação e prova dos danos emergentes e dos lucros cessantes (art.º 558.º, n.º 1 do Código Civil de Macau), não se podendo valer do simples cálculo estabelecido no n.º 2 daquele artigo, fixando-se a indemnização a uma taxa de 10% da diferença entre o valor dos trabalhos executados e o valor dos trabalhos adjudicados. A indicou apenas as quantias respeitantes às despesas despendidas na fase inicial da execução e durante a suspensão da obra e à indemnização pelos prejuízos emergentes da resolução do contrato, que totalizam MOP348.321,80, e não alegou concretamente, entre outros danos, os lucros cessantes devido à resolução do contrato, tendo o mesmo insistido na aplicação da fórmula prevista no n.º 2 do art.º 208.º do Decreto-Lei n.º 74/99/M para calcular a quantia indemnizatória. Essa inércia processual por parte de A não pode, de forma alguma, ser suprida pela aplicação da norma em causa, muito menos em benefício dele.
Pelo exposto, acordaram no Tribunal Colectivo em julgar procedente o recurso interposto pela RAEM, revogando-se o acórdão recorrido e mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 158/2021.