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TSI entende existirem vícios de violação de lei num acto administrativo que exigiu à requerente de renovação do BIR submeter-se a teste de paternidade


A nasceu em Macau em 3 de Março de 1998. Do seu registo nascimento constam como seu pai B, residente de Macau, e como sua mãe C, residente do Interior da China. Preenchidos por A os requisitos para ser residente de Macau, a Direcção dos Serviços de Identificação (DSI) emitiu-lhe Bilhete de Identidade de Residente de Macau (BIRM), nos termos do art.º 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 6/92/M de 27 de Janeiro vigente na altura. Em 2005, o referido documento de identificação de A foi substituído pelo Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau, que veio a ser renovado duas vezes, em 2010 e 2015.

Em 2019, B, por motivo de reunião familiar, pediu a fixação da residência em Macau do seu cônjuge C. A fim de verificar a situação, a DSI, em datas diferentes, tomou declarações a B e C, com a elaboração de autos. Segundo as declarações prestadas por C, ela tinha casado com um outro homem, D, em Fujian em 1994 ou 1995, e conheceu B depois de ter chegado a Macau para trabalhar. Disse que viviam juntos em Macau, mas não registaram o casamento, nem realizaram cerimónia. C afirmou ainda que tinha um filho E e uma filha A, mas não tinha a certeza se o pai biológico deles era B ou D. B e C concordaram ambos com a realização de teste ADN de paternidade entre eles e E e A.

Tendo dúvidas sobre a relação de filiação entre A e B, a DSI, perante o pedido de renovação do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau formulado por A em Maio de 2020, notificou-a para apresentar o certificado do teste ADN de paternidade realizado entre ela e B e C, exigência essa que foi recusada várias vezes por A. Nesse contexto, veio a DSI, por ofício de 16 de Setembro de 2020, solicitar ao Ministério Público que intentasse acção de investigação de paternidade, e apresentar denúncia sobre a situação criminal eventualmente envolvida no caso. Entretanto, Em 23 de Setembro do mesmo ano, a DSI decidiu suspender o procedimento administrativo de renovação do BIRM de A, até ficar judicialmente decidido se é ou não filha biológica de B.

Não se conformando com tal decisão, A interpôs recurso hierárquico para o Secretário para a Administração e Justiça, que indeferiu o recurso hierárquico. Ainda inconformada, A interpôs recurso contencioso do acto praticado pelo Secretário para a Administração e Justiça para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando que o acto recorrido enfermava de vícios de violação de lei, por ter desrespeitado os princípios da legalidade e da proporcionalidade.

O TSI conheceu do recurso contencioso.

Citando o parecer emitido pelo Ministério Público, o Tribunal Colectivo adiantou que a Administração Pública suspendeu o respectivo procedimento de renovação de BIRM tendo por fundamentos de direito o art.º 28.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 23/2002 e o art.º 33.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo. No entanto, houve erro por parte da Administração na aplicação de ambas as normas.

Em relação à primeira, o Tribunal Colectivo pronunciou-se no sentido de que, se bem que se estabeleça nos termos do art.º 28.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 23/2002, sempre que se suscitem dúvidas sobre a exactidão de qualquer dos dados de identificação apresentados pelo requerente, pode a DSI notificá-lo para apresentação de prova complementar que considere necessária, mas a verdade é que não há, legitimamente, nenhuma dúvida relativamente à paternidade da recorrente, porquanto, como resulta do disposto no art.º 1652.º do Código Civil, a filiação entre A e B se encontra estabelecida, e esta prova faz-se pela forma que se encontra prevista nas leis do registo civil (ou seja, através do registo de nascimento de A). Aliás, como preceitua o art.º 3.º, n.º 1 do Código do Registo Civil, essa prova resultante do registo de nascimento não pode ser ilidida por qualquer outra, salvo nas acções de estado ou de registo. Todavia, tanto quanto se sabe, até à presente data, a acção de investigação de paternidade ainda nem sequer foi instaurada. Por isso, perante um facto que se encontra plenamente provado pela única forma legalmente possível, segundo o qual B é o pai biológico de A, não são legítimas as dúvidas da Administração.

Relativamente ao art.º 33.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, conforme salientou o Tribunal Colectivo, a suspensão nele prevista pressupõe uma prévia actividade instrutória mais ou menos extensa. Ora, a emissão do BIRM não constitui um acto administrativo no sentido do art.º 110.º do Código do Procedimento Administrativo, já que, como resulta do n.º 1 do art.º 3.º da Lei n.º 8/2002, a emissão do BIRM é um direito dos residentes de Macau e, como tal, basta que alguém tenha o estatuto de residente para que a Administração fique constituída na obrigação de emitir o BIRM, sem que se justifique a prévia emissão de um acto administrativo definidor da situação jurídica do interessado (isto é, uma declaração no sentido de que o interessado tem direito à emissão do BIRM). Isto vale igualmente para a renovação do BIRM, pois à luz da al. 1) do art.º 23.º do Regulamento Administrativo 23/2002, o BIRM é obrigatoriamente renovado em caso de caducidade por decurso do prazo de validade, não carecendo tal renovação de qualquer instrução documental. Daí que, confrontada com um pedido de renovação do BIRM, que lhe foi dirigido pela residente A, à Administração não reste senão, cumpridas as formalidades de natureza burocrática que estão previstas nas normas legais e regulamentares aplicáveis, proceder a essa renovação, emitindo o respectivo documento. Sendo desnecessária uma prévia instrução, não será aplicável o regime do art.º 33.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo.

Nos termos acima expostos, entendeu o Tribunal Colectivo do TSI que a decisão da Administração de suspensão do respectivo procedimento administrativo violou não apenas o disposto no art.º 33.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, como também a norma do art.º 3.º, n.º 1 da Lei n.º 8/2002, concedendo, portanto, provimento ao recurso contencioso e anulando o acto administrativo impugnado.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, proferido no processo n.º 28/2021.



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