A e B contraíram matrimónio em 22 de Janeiro de 2009 no Interior da China. Após o casamento, eles passaram a coabitar numa fracção situada na Taipa, como sua residência de família comum, inscrita a favor da Companhia de Investimento Internacional Limitada C. Posteriormente, surgiu o rompimento da relação amorosa entre eles, A acabou por abandonar a residência de família supramencionada em 3 de Outubro de 2013, ficando apenas B a morar na aludida fracção. A partir daí, A e B deixaram de comer, habitar e dormir juntos. Em 12 de Maio de 2014, A introduziu-se na fracção em apreço por chave, removeu os objectos pessoais de B para fora da fracção e mudou a fechadura da porta da fracção. O Ministério Público deduziu acusação contra A. Findo o julgamento, o Tribunal Judicial de Base condenou A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 184.º do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano.
Inconformado, veio A recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que do despacho de pronúncia constava apenas um elemento constitutivo objectivo do crime – “A introduziu-se no domicílio do seu cônjuge B” – e não o outro elemento – “introduziu-se sem consentimento” – que demonstrava a prática pelo agente do acto de introdução forçada num local, conduta essa tinha indispensavelmente o efeito de violência física usada por uma pessoa contra uma coisa ou a pessoa que impedisse a sua introdução, enquanto o termo “introdução” encontrado no despacho de pronúncia servia meramente para qualificar o dolo de A e não tinha o sentido de “introdução sem consentimento”, censurando, portanto, que o acórdão recorrido padecia do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por não ter alegado os factos constitutivos do elemento objectivo – “introduziu-se sem consentimento”.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso, apontando que, como é evidente, a motivação do recurso de A ampliou erradamente a interpretação do termo “introdução”. O bem jurídico protegido pelo tipo de crime em causa é a privacidade. A “introdução” aplica-se a quaisquer casos de introdução em domicílio que exija consentimento, o que consiste na mera introdução do agente na privacidade do espaço limitado (habitação) doutrem e não na existência da destruição física do domicílio ou do facto de uso de violência contra a pessoa que impeça a introdução do agente. In casu, o domicílio em questão é a residência da família de B que já deixou de comer, habitar e dormir com A, pelo que a introdução de A no referido domicílio depende do consentimento de B, mesmo que B não seja proprietária do dito domicílio e A possua a chave que lhe facilite entrar no domicílio. Tal introdução sem consentimento constituiu a introdução na privacidade do espaço limitado de B. Apesar dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo não terem revelado expressamente que A se introduziu, sem consentimento, no domicílio do seu cônjuge B, o Tribunal a quo, ao formar a sua convicção, indicou que no caso vertente não existia nenhuma declaração de vontade que mostrasse que B tinha consentido na introdução de A na sua habitação (espaço privado), ou com os seguintes actos praticados por A, nomeadamente, a remoção dos objectos privados de B para fora da fracção e a mudança da fechadura da porta que impedia a entrada de B na fracção. Por outras palavras, nunca existiram esses consentimentos de B. “Sem consentimento” é um facto relevante e indispensável do tipo legal do crime de violação de domicílio. Destarte, pode-se concluir que na conduta de A se verifica o elemento constitutivo objectivo do crime de violação de domicílio, basta que dos factos provados objectivos se tenha tirado a conclusão de “sem consentimento”. Da convicção formada pelo Tribunal a quo se vislumbra que o Tribunal a quo apreciou e deu como provado o facto em causa, não se apurando verificar-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada na decisão da matéria de facto do mesmo Tribunal.
Face ao expendido, acordaram no Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso interposto por A, mantendo-se a decisão recorrida.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 660/2020.