De meados de 2016 ao início de 2018, com o objectivo de enriquecerem ilegitimamente, A, B, C, D e E, afirmando que os interessados que se inscrevessem em cursos financiados pelo “Programa de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento Contínuo” de 2014-2016 e de 2017-2019 implementado pelo Governo da RAEM, poderiam receber a respectiva comissão e não seriam obrigados a presenciar as aulas, conseguiram atrair a atenção de 95 residentes da RAEM que ainda não tinham usado todo o valor do financiamento dos aludidos programas; por um lado, auxiliaram 72 interessados na inscrição fraudulenta em cursos ministrados, para esse fim, pelos dois centros de educação geridos por A que se responsabilizava pela apresentação da declaração do montante das falsas propinas à então Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ), e, por outro lado, mentiram perante os demais 23 interessados, dizendo que os coadjuvavam na inscrição em cursos cujo financiamento não fora ainda autorizado pela DSEJ, mas, na realidade, esses interessados foram inscritos em cursos financiados e ministrados por um outro centro de educação gerido por A. Tal conduta provocou erro e engano à DSEJ no juízo de facto, levando-a a julgar equivocadamente que os 95 residentes da RAEM em apreço aproveitaram o financiamento do “Programa de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento Contínuo” para se inscreverem em cursos financiados e, em consequência, aos três centros de educação geridos por A foi erradamente atribuída a quantia total de MOP498.258,00, a título de financiamento, o que causou prejuízo patrimonial ao Governo da RAEM. Ademais, com o objectivo de permitir que os sobreditos centros de educação obtivessem o financiamento do “Programa de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento Contínuo” atribuído pela DSEJ, A declarou e inseriu dados falsos no sistema informático, nomeadamente, os dados de presenças gerais dos formandos, as relações nominais dos formandos, as designações e conteúdos dos cursos, entre outros, a fim de enganar a DSEJ. Mesmo tendo perfeito conhecimento de que os “Mapas de presenças dos formandos/candidatos aos exames” dos cursos não foram assinados pelos próprios formandos, D, na qualidade de formador, ainda assim assinou para confirmar os conteúdos e as assinaturas dos formandos constantes de 4 mapas de presenças, levando a DSEJ a atribuir erradamente aos centros de educação geridos por A a quantia total de MOP203.318,00, a título de financiamento. O caso foi julgado no Tribunal Judicial de Base após a sua descoberta. O TJB condenou A, B, C, D e E, pela prática dos crimes de burla, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 211.º do Código Penal de Macau, em conjugação com as circunstâncias atenuantes previstas nos artigos 201.º, 221.º e 67.º do mesmo Código, na pena de 5 meses de prisão para cada crime (A praticou 95 crimes, B praticou 50 crimes, C praticou 6 crimes, D praticou 16 crimes e E praticou 23 crimes). O TJB condenou ainda A, pela prática de 75 crimes de falsificação informática, p. e p. pelo n.º 1 do art.º 10.º da Lei n.º 11/2009 (Lei de combate à criminalidade informática), na pena de 6 meses de prisão para cada crime, bem como condenou D, pela prática de 4 crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 244.º, n.º 1, al. b) do Código Penal de Macau, na pena de 7 meses de prisão para cada crime. Em cúmulo jurídico, A foi condenado na pena de 4 anos de prisão efectiva, B foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva, C foi condenado na pena de 1 ano de prisão, e D e E foram condenados na pena de 2 anos de prisão. As penas de prisão aplicadas a C, D e E foram suspensas na sua execução por 3 anos, ficando cada um sujeito ao pagamento dum montante a favor da RAEM (C a pagar MOP20.000,00, e D e E a pagarem MOP60.000,00, respectivamente). Mais, o TJB condenou os referidos arguidos no pagamento de indemnização ao Governo da RAEM. Inconformados, da decisão recorreram A e B para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso.
No que concerne ao direito de queixa, de acordo com o Tribunal Colectivo, o n.º 2 do art.º 107.º do Código Penal de Macau preceitua um “princípio de indivisibilidade de exercício do direito de queixa”, isto é, no caso de comparticipação, não cabe ao sujeito que tenha o direito de queixa escolher o objecto da queixa, porém, um dos pressupostos relevantes da aplicação da aludida norma consiste em que todos os comparticipantes são obrigados a possuir a mesma situação jurídica. Tanto na fase de inquérito como na fase de audiência de julgamento, as 81 testemunhas sempre depuseram na qualidade de testemunhas, nunca foram constituídas arguidas. Daí se vislumbra que, no caso vertente, essas 81 testemunhas não são arguidas que desempenham o papel de sujeito do processo, pelo que A e B e as testemunhas, que se constituíram arguidas no caso, não possuem a mesma situação jurídica, não se verificando, assim, o pressuposto da aplicação da norma supramencionada, tampouco lhes aproveita a extinção do direito de queixa. Quanto à qualificação do crime de burla, segundo o Tribunal Colectivo, o ofendido do crime de burla pode não ser uma pessoa singular, podendo ser uma pessoa colectiva (pessoa colectiva pública ou privada), portanto, não se exclui o prejuízo sofrido pelo Governo da RAEM como ofendido do caso. Além do mais, conforme os factos constantes dos autos, revela-se suficientemente que a finalidade da atribuição de comissão por A e B não é meramente a atracção da inscrição dos alunos nos cursos em causa, mas sim, a obtenção de benefício ilegal, os arguidos, tendo adoptado o método de “só se inscrever em curso e não presenciar as aulas”, atraíram os residentes da RAEM sem interesse de inscrição em cursos para se inscreverem fraudulentamente nos cursos ministrados pelos centros de educação em causa, reunindo-se plenamente os elementos constitutivos do crime de burla. Quanto à qualificação do crime de falsificação informática, segundo o Tribunal Colectivo, a verificação do crime de falsificação informática não exige o apuramento da falsidade total dos cursos em questão, mas sim, basta a prova da falta de veracidade total dos factos juridicamente relevantes que foram inseridos no sistema informático. No caso sub judice, no sistema informático, A apresentou falsamente as relações nominais dos formandos, os dados de presenças dos formandos e o montante das propinas para sustentar as despesas derivadas das comissões pagas aos formandos e intermediários, reunindo-se indubitavelmente os elementos constitutivos do crime de falsificação informática. Relativamente à pena excessiva e à suspensão da execução da pena de prisão, tendo em consideração os artigos 40.º e 65.º do Código Penal de Macau, entendeu o Tribunal Colectivo que no acórdão proferido pelo Tribunal recorrido contra A não há desconformidade manifesta entre o crime e a pena determinada nem a inadequação manifesta da penalidade. Acrescentou o Tribunal Colectivo que embora B tivesse mantido silêncio durante a audiência de julgamento, tendo em conta que este era delinquente primário, e, antes da audiência, tinha depositado, juntamente com A, a quantia de MOP741.706,00, destinada a indemnizar a DSEJ, bem como atendendo especialmente às finalidades da prevenção criminal e à doença oncológica de B, entendeu o Tribunal Colectivo que a mera ameaça da prisão era suficiente para levar B a deixar de se dedicar à criminalidade no futuro, prevendo que o objectivo da política criminal em causa poderia ser alcançado pelo regime de suspensão da execução da pena de prisão, razão pela qual, decidiu suspender a execução da pena de prisão aplicada a B.
Nos termos expostos, acordaram no Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso interposto por A, sustentando a decisão a quo contra ele proferida; e, conceder provimento parcial ao recurso interposto por B, ficando suspensa a execução da pena de prisão a ele aplicada, por 3 anos, ao abrigo do n.º 1 do art.º 48.º do Código Penal de Macau.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 528/2021.