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Uniformização de jurisprudência: as penas acessórias de inibição de condução aplicadas estão sujeitas a cúmulo jurídico


O Tribunal Judicial de Base condenou A, pela prática de 2 crimes de ofensa à integridade física por negligência, p.p. pelo art.º 142.º, n.º 1 do Código Penal, conjugado com o disposto no art.º 93.º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, e de 2 crimes de abandono de sinistrados, p.p. pelo art.º 88.º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena única de 3 anos de prisão (suspensa na sua execução por 3 anos), e na pena acessória única de inibição de condução por 3 anos. A, inconformado, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. No âmbito do Processo de Recurso Penal n.º 928/2020, o TSI negou provimento ao recurso e manteve a decisão do TJB, indicando que não havia motivos para proceder ao cúmulo jurídico das penas acessórias, que é excluído pela sua natureza de dependência e afastado expressamente pela norma contida no art.º 71.º do Código Penal, nomeadamente o n.º 4 do artigo.

O Ministério Público interpôs para o Tribunal de Última Instância recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, com fundamento na oposição entre o supracitado acórdão e o acórdão proferido pelo TSI no Processo de Recurso Penal n.º 540/2010. Neste último acórdão, o TSI procedeu ao cúmulo jurídico das penas acessórias de inibição de condução, aplicadas pela prática de 4 contravenções previstas pelo art.º 31.º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, entendendo que a inibição de condução não deixa de ser uma verdadeira pena, e deve ser aplicado o sistema do cúmulo jurídico previsto pelo art.º 71.º do Código Penal.

O TUI procedeu ao julgamento ampliado do recurso.

A questão a resolver reside em saber, no caso de concurso de crimes ou de contravenções a que sejam aplicadas penas acessórias de inibição de condução, se estão sujeitas, ou não, a cúmulo jurídico as penas acessórias de inibição de condução. Entendeu o Tribunal Colectivo que, o art.º 71.º do Código Penal define as regras da punição do concurso, bem como a moldura penal abstracta. Porém, a lei não é muito clara quando estão em causa várias penas acessórias do mesmo tipo, e do aludido artigo não se pode concluir, directamente, pelo cúmulo jurídico, nem pelo cúmulo material, das penas acessórias. O Tribunal Colectivo indicou que, em face da evolução legislativa, o Código Penal actualmente vigente configura as penas acessórias como autênticas penas e não como efeitos das penas, e ao mesmo tempo, o legislador também previu efectivamente uma moldura penal abstracta para as mesmas, por exemplo, a pena acessória de proibição do exercício de função. Salientou o Tribunal Colectivo que, enquanto verdadeiras penas com função adjuvante das penas principais, às penas acessórias devem ser aplicadas as regras do cúmulo jurídico previstas no art.º 71.º do Código Penal para as penas principais, não sendo as penas acessórias excluídas por este artigo.

No caso sub judice, foram aplicadas a A várias penas de inibição de condução pela prática de crimes. Os dispostos nos art.ºs 123.º, n.º 1, 124.º, n.º 1 e 126.º do Código Penal permitem concluir pela aplicação às contravenções do preceituado para os crimes. Assim, não existe obstáculo ao cúmulo jurídico das penas acessórias de inibição de condução, independentemente da sua aplicação pela prática de crimes ou de contravenções.

Por isso, seguindo as regras do cúmulo jurídico previstas nos n.ºs 1 e 2 do art.º 71.º do Código Penal, o Tribunal Colectivo entendeu que a pena única de inibição de condução aplicada a A deve ser fixada numa moldura penal de 1 a 3 anos. Atentos os factos apurados no caso concreto, o Tribunal Colectivo decidiu aplicar a pena única de inibição de condução por 2 anos e 3 meses.

Face ao expendido, acordaram no TUI em: 1) Conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido na parte que julgou improcedente o recurso interposto por A da decisão de primeira instância, que por sua vez condenou A na pena acessória única de inibição de condução por 3 anos, pena esta que passa a ser diminuída para 2 anos e 3 meses de inibição de condução. 2) Nos termos do art.º 427.º do Código de Processo Penal, fixar a seguinte jurisprudência, obrigatória para os tribunais da RAEM: As penas acessórias de inibição de condução de veículos a motor previstas na Lei do Trânsito Rodoviário e aplicadas em sede de concurso de crimes ou contravenções estão sujeitas a cúmulo jurídico.” 3) Ordenar o cumprimento do disposto no art.º 426.º do Código de Processo Penal.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, no Processo n.º 160/2021.

Nos termos do art.º 426.º do Código do Processo Penal, a referida decisão de uniformização de jurisprudência vai ser publicada no Boletim Oficial da RAEM, I Série, de 23 de Maio de 2022.



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