Em finais de Junho de 2019, A (1.º ofendido) perguntou a B se seria possível ajudar a sua filha, que tinha notas insuficientes nos exames finais, a matricular-se na Universidade X em Macau. Face a essa solicitação, B pediu informações a C. Após negociações, C e D decidiram receber uma quantia de A sob pretexto de poder ajudar a filha dele a matricular-se na Universidade X por conhecer um membro do Conselho Geral da referida Universidade. Assim, B transmitiu a seguinte mensagem de C a A: um membro do Conselho Geral da Universidade X poderia ajudar a filha de A a matricular-se na dita Universidade, mas receberia um montante de HKD$200.000,00. Em finais de Junho de 2019, A entregou o montante de HKD$200.000,00 a B e, a seguir, B entregou toda essa quantia a C. Depois, entre finais de Junho e Julho, da mesma forma, C recebeu do 2.º ofendido o montante de HKD$280.000,00 e dos 3.º e 4.º ofendidos a quantia de HKD$300.000,00 cada, por ter alegado que poderia ajudar os filhos deles a matricular-se na Universidade X. D tomou fraudulentamente a identidade da Universidade X para enviar e-mail aos primeiros três ofendidos, informando-os de que tinham sido lançados os avisos de admissão e as cartas de admissão acreditada, referentes a seus filhos. Desde 25 de Junho de 2019, D recolheu na internet as informações relativas aos modelos do aviso de admissão da Universidade X e da carta de admissão acreditada da Direcção dos Serviços do Ensino Superior, bem como, observando os aludidos modelos, usou o software de computador para elaborar os avisos de admissão da Universidade X e as cartas de admissão acreditada da DSES, referentes aos filhos dos quatro ofendidos, que foram entregues aos quatro ofendidos por A a pedido de C ou pelo próprio C. Após a recepção dos supracitados montantes dos quatro ofendidos, com a excepção de uma parte da quantia que foi dada a B como comissão de intermediário, o resto foi apropriado e partilhado por C e D. Na verdade, C e D nunca pretenderam nem eram capazes de ajudar, através da forma por eles dita, os filhos dos quatro ofendidos a ser admitidos pela Universidade X. Em 29 de Agosto de 2019, os quatro ofendidos descobriram então que os seus filhos não tinham sido admitidos na Universidade X, na altura em que estavam a tratar das formalidades de matrícula na referida Universidade com seus filhos, sendo descortinado o caso. Findo o julgamento, Tribunal Judicial de Base condenou C e D, pela prática do crime de burla, p. e p. pela alínea a) do n.º 4 do art.º 211.º, em conjugação com o n.º 1 do mesmo artigo e a alínea b) do art.º 196.º do Código Penal de Macau; e C, ainda pela prática do crime de uso de documento falsificado de especial valor, p. e p. pelo art.º 245.º, em conjugação com a alínea c) do n.º 1 do art.º 244.º do Código Penal de Macau; e D, ainda pela prática do crime de falsificação de documento de especial valor, p. e p. pelo art.º 245.º, em conjugação com a alínea a) do n.º 1 do art.º 244.º do Código Penal de Macau; em cúmulo jurídico, condenou C e D, respectivamente, nas penas únicas de 6 anos de prisão efectiva e de 5 anos de prisão efectiva. Inconformados, C e D recorreram do decidido para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal de Segunda Instância conheceu do caso.
Nos recursos, argumentou C que ela desconhecia que os avisos de admissão e as cartas de admissão acreditada em questão eram falsos, pelo que não praticou os actos que determinaram os quatro ofendidos a prejuízo, e não actuou com a intenção de obter, para si, um enriquecimento ilegítimo, portanto, a utilização dos aludidos documentos não constituiu o crime de uso de documento falsificado de especial valor, e o crime de burla foi exclusivamente imputável a D. A par disso, na matéria de facto assente nos autos por um lado diz-se que foi D quem enviou aos quatro ofendidos os avisos e cartas falsos, e por outro lado diz-se que os documentos em questão foram enviados por C, verificando-se a contradição, o que afectou directamente a consideração dos elementos constitutivos subjectivos e objectivos dos crimes praticados por C. E, entendeu D que o acórdão recorrido padecia do erro notório na apreciação da prova, e que ele não era o autor principal do crime, mas sim um cúmplice que apenas prestou auxílio a C na prática do crime. Face a isso, apontou o TSI que no acórdão recorrido foi enumerado o fundamento de facto que sustentava a convicção do facto de conhecimento, por C, das falsificações de documento feitas por D, pelo que não assistia razão a C pelo desconhecimento das falsificações em apreço alegado pela mesma. Apesar de C e D terem impugnado o julgamento da matéria de facto feito no acórdão recorrido, tendo-se apreciado, global e criticamente, os fundamentos do julgamento dos factos feito no acórdão recorrido, não se verificava o desarrazoamento manifesto ou violação das regras da experiência, do valor legal da prova e das normas jurídicas a observar no julgamento dos factos, aliás, o Tribunal a quo já explicou as razões por que não acreditou na versão fáctica de C (relativamente à alegada falta de intenção de burla e ao alegado desconhecimento das falsificações feitas por D) e D (quanto à alegada falta de intenção de burla e o mero papel de cúmplice desempenhado). Alegou C que ela não devia ser condenada pela prática do crime de uso de documento falsificado de especial valor, por uso de documento falso ser meramente um meio para a concretização da conduta de burla. Quanto a essa questão, de acordo com o TSI, sendo distintos os bens jurídicos que se procura tutelar no crime de uso de documento falsificado de especial valor e no crime de burla, há concurso efectivo real, e não concurso aparente, entre estes dois tipos legais de crime.
Destarte, o TSI decidiu rejeitar os recursos interpostos por C e D, e julgar improcedente a reclamação dessa decisão.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 212/2022.