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A falsificação de documento para obtenção fraudulenta dos subsídios do Governo constitui apenas o crime de burla


Com vista a obter benefícios ilegais, o recorrente A e outros suspeitos agiram, de comum acordo, em conjugação de esforços e divisão de tarefas, ao declarar falsamente, por várias vezes, à DSF o estado de serviço, os cargos, os números de horas de trabalho mensal e os rendimentos de trabalho mensal dos referidos suspeitos, fazendo constar falsamente de documento facto juridicamente relevante. Pelas referidas condutas, o recorrente teve sucesso em obter fraudulentamente subsídios de valores variáveis do Governo, causou danos patrimoniais à RAEM, e trouxe grandes influências negativas para a sociedade.

O Tribunal a quo conheceu do caso, condenando o recorrente pela prática, em autoria material, e na forma dolosa, consumada e continuada, de 12 crimes de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, al. b) do CPM, e de 10 crimes de burla, p. p. pelo art.º 211.º, n.º 1 do CPM.

Inconformado, o recorrente recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, e imputou ao acórdão recorrido a violação do disposto no n.º 1 do art.º 29.º, no n.º 1 do art.º 48.º e no art.º 64.º do CPM, bem como o vício de erro na interpretação da lei, entendendo que os crimes de falsificação de documento, que pertenceram ao crime instrumental, deviam ser absorvidos pelos crimes de burla que serviram de objectivo, e em consequência, devia ele ser condenado pela prática de 10 crimes de burla.

O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso, indicando que, a questão do concurso de crimes é, primeiro, na sua essência, uma questão do número de crimes cometidos, ou seja, se o agente praticou um crime ou vários crimes, só estando envolvidas a natureza do concurso e a forma da punição quando se reconheça a prática de vários crimes. E ao abrigo do disposto no art.º 29.º do CPM, o reconhecimento da prática de um crime ou de vários crimes tem como critério principal a realização efectiva do tipo de crime, e o surgimento da questão do concurso real ou aparente pressupõe que o agente preencha, efectivamente, e não formalmente, dois ou mais tipos de crime.

No caso sub judice, a fim de obter para si ou para outra pessoa benefícios ilegais, o recorrente requereu ao Governo a atribuição do subsídio, e entregou, por várias vezes, os pedido de complemento de rendimento de trabalho à DSF, nos quais prestou falsas declarações sobre o estado de serviço, os cargos, os números de horas de trabalho mensal e os rendimentos de trabalho mensal dos trabalhadores, e para o efeito, tinha entregado previamente ao Fundo de Segurança Social os boletins de identificação de beneficiário – inscrição e as respectivas declarações de movimento dos trabalhadores residentes, para efectuar a inscrição dos trabalhadores e pagar as contribuições correspondentes. Esses documentos envolvidos não possuem autonomia em relação aos actos de burla em causa. O recorrente falsificou os documentos envolvidos com o objectivo de obter fraudulentamente os subsídios do Governo, que foram atribuídos pelo Governo também com base na avaliação do conteúdo desses documentos indispensáveis, sendo a falsificação e entrega dos referidos documentos com teor falso o único meio de concretizar o tal objectivo, quer dizer, a falsificação tornou-se a única astúcia provocadora de erro ou engano sobre certos factos, e não era dispensável.

Dito por outras palavras, no aspecto da conexão e autonomia dos actos do recorrente, quando da falsificação dos documentos “com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Território, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo”, o recorrente agiu com dolo ao burlar a RAEM, e o resultado da falsificação dos documentos foi a verificação de astúcia, isto é, o único elemento indispensável exigido pelo tipo de crime de burla. Quando a falsificação dos documentos seja considerada elemento constitutivo do crime de falsificação de documento, não pode ser, ao mesmo tempo, o elemento constitutivo do crime de burla, e se for absolutamente impossível a constituição do crime de burla sem a falsificação dos respectivos documentos, deve o agente ser punido pelo um só crime. Senão, verifica-se a dupla valoração dum mesmo facto.

Indicou o Colectivo que, atendendo à resolução criminosa do recorrente, à íntima conexão entre a falsificação dos documentos e os actos de burla, e aos documentos necessários à atribuição dos subsídios do Governo, a falsificação dos documentos tornou-se, necessariamente, a única astúcia que enganou o Governo, devendo o recorrente ser punido por um só crime mais grave, conforme os princípios da ponderação plena e da proibição da dupla valoração.

Pelo exposto, acordaram no Tribunal Colectivo em julgar parcialmente procedente o recurso, absolver o recorrente A da prática de 12 crimes de falsificação de documento, p. p. pelo art.º 244.º, n.º 1, al. b) do CPM, e passar a condená-lo pela prática, em autoria material, e na forma dolosa, consumada e continuada, de 10 crimes de burla, p. p. pelo art.º 211.º, n.º 1 do CPM.

Cfr. o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 180/2021.



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