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Um direito especial concedido pelo título constitutivo não pode ser privado por uma deliberação de assembleia de condóminos


A é proprietário de 3 fracções autónomas dum prédio sito no Pátio da Sé. A constituição do regime de propriedade horizontal do aludido prédio foi registada em 1967. O “Regulamento de Propriedade Horizontal” do referido prédio (doravante designado por “Regulamento”) foi aprovado por deliberação da Assembleia de Condóminos em 2010 e registado sob averbamento. Estatui o art.º 5.º do referido Regulamento o seguinte: É vedado o uso exclusivo do terraço por parte de qualquer fracção autónoma; e, é permitida a instalação das unidades exteriores de ar condicionado no terraço. Todavia, com efeito, tal artigo não obteve o voto favorável de 2/3 do valor total do condomínio do prédio. Em 2011, os proprietários duma determinada fracção do 3.º andar desse prédio requereram o registo de forma a estabelecer que o terraço de cobertura era de uso exclusivo das moradias do 3.º andar. A requereu a rectificação judicial do aludido conteúdo, mas este requerimento improcedeu pelo Tribunal de Segunda Instância.

A propôs, no Tribunal Judicial de Base, uma acção contra os proprietários de duas fracções autónomas do 3.º andar do prédio em questão, A3 (1.ºs réus) e B3 (2.ª ré e 3.º e 4.º réus), pedindo: 1) reconhecer o direito de A e restantes condóminos, na qualidade de comproprietários das partes comuns do prédio, ao uso do terraço de cobertura, para fins de utilidade comum, nomeadamente para colocação das unidades externas de ar condicionado, nos termos definidos pelo “Regulamento”; 2) permitir a todos os condóminos o livre acesso ao terraço de cobertura, e a retirar qualquer elemento de obstrução ao livre acesso ao terraço de cobertura; 3) e que fosse fixada a sanção pecuniária compulsória de MOP2.000,00 por cada dia que os réus não acatassem a decisão do tribunal e não permitissem o acesso ao terraço de cobertura a todos os condóminos. Por despacho saneador, o TJB julgou improcedente o peticionado, com o consequente indeferimento de todos os pedidos formulados por A. Inconformado, do decidido recorreu A para o TSI que, por seu turno, julgou parcialmente procedente o recurso, determinando a devolução dos autos ao TJB para nova decisão, por entender que existia controvérsia em alguns factos invocados na petição inicial e na réplica. Inconformados com a decisão, A e os réus interpuseram recursos para o Tribunal de Última Instância.

O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso. Primeiro, na opinião do Tribunal Colectivo, os 1.ºs réus não apresentaram, de forma concreta, os fundamentos do recurso. Segundo, a 2.ª ré e os 3.º e 4.º réus fundamentaram o seu recurso na omissão de pronúncia quanto à validade do “Regulamento” cometida pelo TSI, face a isto, entendeu o Tribunal Colectivo que os réus já invocaram a nulidade do “Regulamento” por violação do direito de uso exclusivo do terraço de cobertura no momento em que o TJB realizava o julgamento do caso e, finalmente, tal pretensão foi julgada procedente pelo mesmo Tribunal. A decisão supramencionada foi mantida pelo TSI, pelo que aos réus não assistia legitimidade para recorrer de uma decisão que lhes foi favorável. Por outro lado, o TSI considerou que não existia controvérsia nos factos invocados na petição inicial e na réplica.

No que concerne ao recurso subordinado interposto por A, apontou o Tribunal Colectivo que um direito especial sobre a parte comum concedido pelo título constitutivo a determinado proprietário não pode ser restringido por uma deliberação de assembleia de condóminos. Considera-se o direito de uso exclusivo do terraço de cobertura um direito especial sobre a parte comum, pelo que a instalação de unidades externas de ar condicionado no terraço permitida pelo “Regulamento” viola, evidentemente, o direito de uso exclusivo do terraço usufruído pelos réus, e que a execução das respectivas obras depende necessariamente do consentimento expresso dos réus. Por outro lado, a instalação de unidades externas de ar condicionado no terraço constituem inovações na parte comum, por isso, nos termos do art.º 1334.º do Código Civil vigente à época, a sua realização depende da aprovação da maioria de condóminos. Porém, o art.º 5.º do “Regulamento” foi apenas aprovado, unilateralmente, por A, sendo, portanto, nulo o respectivo conteúdo, ao abrigo dos artigos 1334.º, n.º 3 e 1350.º, n.º 1, alíneas c) e d) do supracitado Código. No entendimento do Tribunal Colectivo, nem a legislação nem o “Regulamento” concediam a A qualquer direito ao uso do terraço de cobertura para colocação das unidades externas de ar condicionado ou ao livre acesso ao terraço de cobertura.

Em face do que se deixou exposto, em conferência, acordaram negar provimento aos recursos de A e dos 1.ºs réus e conceder parcial provimento ao recurso da 2.ª ré e dos 3.º e 4.º réus, revogando-se o acórdão recorrido na parte que determinou devolução dos autos ao TJB para nova decisão.

Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 37/2020.



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