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TSI: Existe uma relação de concurso ideal entre os crimes de condução em estado de embriaguez, de condução perigosa e de ofensa grave à integridade física por negligência grosseira


Na madrugada do dia 4 de Agosto de 2019, A, sabendo bem que tinha consumido bebidas alcoólicas, ainda assim conduziu o seu automóvel ligeiro na via de trânsito à esquerda na Ponte da Amizade, em direcção à península de Macau, circulando atrás do motociclo do ofendido B. Sob influência de álcool, A não podia controlar a velocidade do automóvel e embateu, por trás, na parte traseira do motociclo de B, causando-lhe queda no chão e ficando ferido. Após a ocorrência do acidente, A desceu de imediato do automóvel para verificar a situação, e tomou conhecimento de que B estava ferido, mas para fugir à responsabilidade e evitar ser descoberta a sua condução sob influência de álcool, A conduziu imediatamente o automóvel e abandonou o local, sem chamar a Polícia. Após a audiência de julgamento, o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base condenou A pela prática dum crime de condução em estado de embriaguez, p. p. pelo art.º 90.º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário, um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. p. pelo art.º 279.º, n.º 1, al. a) do CPM, um crime de ofensa grave à integridade física por negligência grosseira, p. p. pelo art.º 142.º, n.º 1 e n.º 3 do CPM, em conjugação com o art.º 93.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, al. 1) da LTR, e um crime de abandono de sinistrados, p. p. pelo art.º 88.º, n.º 1 da LTR. Em cúmulo jurídico, foi A condenado na pena de 2 anos e 9 meses de prisão efectiva, e na inibição de condução por 4 anos e 6 meses. Além disso, foi condenada a 1ª demandada cível, Companhia de Seguros C, a pagar a B uma indemnização no montante de MOP807.556,63.

Inconformados, A e C recorreram para o Tribunal de Segunda Instância.

O Tribunal Colectivo do TSI conheceu da causa. A entendeu que não devia ser condenado pelo Tribunal a quo pela prática simultânea dos crimes de condução em estado de embriaguez, de condução perigosa e de ofensa grave à integridade física por negligência grosseira, por existirem relações de concurso de diferentes níveis entre estes três crimes. Face a tal questão, indicou o Tribunal Colectivo que existem efectivamente relações de concurso de diferentes níveis entre os crimes envolvidos. No crime de condução perigosa, trata-se do perigo concreto, e basta a existência de um perigo concreto para integrar o crime, cujos requisitos constitutivos incluem a condução de veículo em estado de embriaguez e a violação grosseira das regras de trânsito, entre outras. É óbvio que há uma relação de absorção entre o crime de condução perigosa e seu requisito constitutivo – condução em estado de embriaguez, sempre que seja verificado o perigo concreto causado pela conduta de condução à vida ou à integridade física de outros. Desta forma, no caso sub judice, A deve ser condenado pela prática de um só crime de condução perigosa. Por outro lado, em princípio, são diferentes os bens jurídicos protegidos no crime de condução perigosa e no crime de ofensa grave à integridade física por negligência grosseira, entre os quais se verifica o concurso real. Porém, a situação é diferente no caso concreto, uma vez que A foi acusado da prática dum crime de condução perigosa previsto pelo art.º 279.º do CPM, com circunstâncias agravantes previstas pelos art.ºs 281.º e 273.º do CPM. O bem jurídico que a lei pretende salvaguardar, ou seja a integridade física, já foi incorporado às circunstâncias agravantes consagradas nos artigos em apreço, tornando-se um dos requisitos constitutivos do respectivo crime agravado, o que deu lugar ao concurso ideal entre este crime e o crime previsto pelos art.ºs 142.º, n.º 3, e 138.º, al. c) do CPM, com circunstâncias agravantes previstas pelo art.º 93.º, n.º 2 e n.º 3 da LTR. Deve-se escolher o primeiro crime por ser mais elevada a pena aplicada. Por isso, procede o recurso de A nesta parte.

E improcede o recurso do pedido de indemnização civil enxertado, interposto pela Companhia de Seguros C.

Pelo exposto, acordaram no Tribunal Colectivo em conceder parcial provimento ao recurso de A, passar a condenar A pela prática dum crime de condução perigosa de veículo rodoviário agravado, p. p. pelo art.º 279.º, n.º 1, al. b), em conjugação com os art.ºs 281.º e 273.º do CPM, e manter a condenação pelo crime de abandono de sinistrados, p. p. pelo art.º 88.º, n.º 1 da LTR, bem como a pena aplicada pelo Tribunal a quo (7 meses de prisão e inibição de condução por 1 ano). Em cúmulo jurídico, A passou a ser condenado na pena de 2 anos e 8 meses de prisão efectiva, e na inibição de condução por 3 anos. Negou-se provimento ao recurso interposto pela Companhia de Seguros C.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 994/2021.