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As gravações de som realizadas para o impedimento de acto ilícito não são prova proibida, por serem salvaguardadas pela legítima defesa


B e C foram acusados, num caso, da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um “crime de ameaça”, p. e p. pelo art.º 147.º, n.º 2 do Código Penal, e um “crime de extorsão”, p. e p. pelo art.º 215º, n.º 2, al. a) do mesmo Código. Duas gravações de som constantes dos autos serviram de prova, uma delas foi fornecida pelo demandante cível A e outra foi retirada do telemóvel de D (condenado noutro processo), donde constavam as conversas entre C, D, A e E (pai de A) num encontro de todos. Concluiu o Juiz do Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que as referidas duas gravações de som tinham sido realizadas sem o consentimento das pessoas envolvidas, constituindo provavelmente o crime de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelo art.º 191.º do Código Penal, e que, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 113.º do Código de Processo Penal, era nula a prova em questão. Por despacho de 21 de Janeiro de 2021, foi declarada nula a prova de gravações de som, bem como foram extraídos dos autos a prova e os elementos em apreço. Em 13 de Maio de 2021, no caso supracitado, B e C foram absolvidos dos crimes que lhes tinham sido imputados; e, o pedido cível deduzido por A foi julgado improcedente. Inconformado, recorreu A do despacho de prova proibida e da sentença absolutória a quo para o Tribunal de Segunda Instância.

No entendimento de A, houve erro na interpretação da lei no despacho do Tribunal a quo que declarou que a gravação de som fornecida por A era prova proibida, uma vez que a gravação da conversa entre C e D realizada por A constituiu a legítima defesa e não ilegalidade, e, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 153.º do Código de Processo Penal, as gravações em causa só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal, pelo que tais gravações não eram prova proibida, por não serem ilícitas.

O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso. De acordo com o Tribunal Colectivo, a possibilidade de os elementos das gravações em causa servirem de prova depende da licitude ou não da sua obtenção. No caso tratava-se do “crime de ameaça” e do “crime de extorsão”, segundo os elementos constantes dos autos, das gravações em causa constavam as conversas tidas num encontro de todos que mostraram que as falas de C e D podiam conter palavras ameaçadoras, isto é, C e D insinuaram que seriam ofendidas a vida e a integridade física de A e de seus familiares se A não lhes desse dinheiro. A gravação das falas de C e D foi realizada por A com vista a recolher prova para impedir acto de má-fé e ilícito, devendo ser salvaguardada pela legítima defesa, por conseguinte, mereceria ser excluída da responsabilidade penal por gravações realizadas sem o consentimento das pessoas envolvidas. Por outro lado, como mencionado na análise efectuada pelo Tribunal de Última Instância no seu acórdão, tendo-se valorado os direitos à palavra e à obtenção de prova, bem como se atendendo ao conteúdo das gravações em causa, a salvaguarda do primeiro assunto não pode violar o direito à obtenção de prova de A. Mesmo que se entendesse que as gravações em questão constituíram o crime p. e p. pelo art.º 191.º do Código Penal, por terem sido realizadas sem o consentimento dos arguidos, tendo-se em conta que essas gravações foram obtidas por produção de prova e usadas no tribunal, não houve nenhuma prova que demonstrasse que A realizou a gravação por outro motivo, devendo, nos termos do art.º 30.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do Código Penal, ser excluída a eventual ilicitude do uso das gravações. As gravações em discussão não eram ilícitas, não sendo prova proibida, pelo que mereceria provimento o recurso interposto por A, devendo ser revogados o despacho de inadmissão da prova em causa proferido pelo Tribunal a quo e os ulteriores actos processuais.

Em face de todo o que ficou exposto e justificado, em conferência, acordaram em conceder provimento ao recurso interlocutório interposto por A, revogando-se o despacho proferido em 21 de Janeiro de 2021 pelo Tribunal a quo e os ulteriores actos processuais, e sendo reenviado o processo ao Tribunal a quo para nova decisão após a apreciação da prova em apreço. Em virtude do reenvio do processo ao Tribunal a quo para novo julgamento, o recurso final interposto pelo recorrente não seria julgado pelo presente Tribunal Colectivo.

Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 725/2021.