O Comissariado contra a Corrupção (CCAC) divulga o resultado do inquérito sobre o lote, sito na Rua dos Pescadores, onde se encontravam implantados os prédios n.os 15 e 17 (vulgarmente conhecidos por “Fábrica de Curtumes”), considerando que a Administração, na altura, aceitou manter a situação do edifício já construído, não tendo tal situação sido prejudicada pela declaração de nulidade provocada pelo caso de corrupção do ex-Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Ao Man Long, bem como autorizou a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno em 2018 e nos anos posteriores, e que tal se considera, de certa forma, em conformidade com o princípio do aproveitamento útil e efectivo dos terrenos, pelo que não se verificaram aparentemente ilegalidades ou irregularidades administrativas. A par disso, a planta de alinhamento, seguida para a construção do edifício sito no lote em causa, foi emitida quatro anos antes da entrada em vigor da Lei do Planeamento Urbanístico, pelo que não se verificou qualquer situação de “falsa partida” ou fuga à lei. No entanto, segundo o CCAC, no cálculo do valor do prémio de concessão do lote em causa, a Administração não procedeu à dedução do montante do prémio de acordo com o valor já pago para o cumprimento do contrato original, mas sim de acordo com um hipotético montante do prémio a pagar no caso de a actual concessionária concluir o projecto de arquitectura da concessionária anterior, faltando assim ponderar a razoabilidade lógica e a justiça na distribuição de interesses. Propõe-se aos serviços de obras públicas que procedam a uma revisão séria relativa à prática em questão e acelerem a consolidação do actual regime do prémio de concessão, para que o valor do mercado dos terrenos de Macau possa ser reflectido efectivamente nos prémios de concessão, salvaguardando, com total empenho, os preciosos recursos de solos existentes na RAEM.
Em 2018, o CCAC recebeu cartas de diversas associações, nas quais foram levantadas dúvidas em relação à não declaração da caducidade da concessão do lote da Fábrica de Curtumes mesmo após o termo do prazo de aproveitamento, em relação ao cálculo do prémio de reaproveitamento do lote, bem como à fuga à Lei do Planeamento Urbanístico, entre outras questões. Para o respectivo acompanhamento, foi criado um grupo de inquérito específico pelo CCAC. O CCAC refere que o lote em causa foi concedido por aforamento e a título definitivo, sendo que nesse lote se encontravam implantados os prédios vulgarmente conhecidos por Fábrica de Curtumes. Em 1989, a Companhia de Construção Civil Chong Fok (Macau), Limitada, como titular do respectivo direito, solicitou a alteração da finalidade do terreno, pretendendo construir um edifício destinado a comércio e habitação. Posteriormente, a concessão foi transferida por duas vezes para a Empresa de Construção e Fomento Predial Nam Fong (adiante designada por “Empresa Nam Fong”) e a Companhia de Investimento e Desenvolvimento Predial Trust Art, Limitada (adiante designada por “Companhia Trust Art”), respectivamente. Durante este último período, foi, por várias vezes, revisto o contrato de concessão e prorrogado o prazo de aproveitamento do terreno. Em 2006, a actual concessionária, a “Companhia Trust Art”, foi autorizada a construir um edifício composto por um pódio de 6 pisos, sobre o qual assentavam duas torres de 26 pisos. Mais tarde, na sequência da descoberta do caso de Ao Man Long, o Tribunal de Última Instância proferiu, em 2009, a decisão de que as obras de construção no lote em causa estavam relacionadas com um projecto aprovado por Ao Man Long em troca de subornos. Por causa disso, a então Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (adiante designada por “então DSSOPT”) procedeu, de imediato, à declaração da caducidade da respectiva licença de obra, sendo que, na altura, o edifício já fora construído até ao 15.º andar. No mesmo ano, a então DSSOPT autorizou a manutenção da estrutura do edifício já construído por parte da “Companhia Trust Art”, tendo como base o princípio da boa fé, e procedeu de novo à elaboração e emissão da planta de alinhamento. Em 2014, a “Companhia Trust Art” apresentou um novo pedido e, em 2018, foi aprovada a revisão do contrato de concessão do terreno para a construção de um edifício composto por um pódio de 6 pisos, sobre o qual assentam duas torres de 13 pisos, destinado a comércio e habitação.
O CCAC refere ainda que, a anterior concessionária e a actual concessionária do lote, isto é, a “Empresa Nam Fong” e a “Companhia Trust Art”, obtiveram por várias vezes autorizações de prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno, respectivamente entre 1993 e 2003 e entre 2004 e 2014, mas ainda assim aquelas concessionárias não conseguiram concluir o aproveitamento do terreno. No entanto, a Administração também não aplicou, com rigor, as multas previstas nas disposições contratuais, nem declarou a devolução do terreno concedido. O CCAC aponta que, a prática habitual de não recuperação de terrenos, naquela altura, por parte dos serviços de obras públicas, é alvo de críticas desde há muito tempo. Na medida em que entrou em vigor a nova Lei de Terras em Março de 2014, a Administração comprometeu-se a implementar, de forma rigorosa, o regime e as disposições quanto ao aproveitamento de terrenos. Em 2018, foram aditadas, ao contrato de concessão revisto do lote da Fábrica de Curtumes, as regras em relação à caducidade da concessão do terreno e à devolução do terreno. Em Março de 2022, foi emitida a licença de utilização, pela então DSSOPT, à “Companhia Trust Art”, depois do aproveitamento do terreno dentro do respectivo prazo de aproveitamento. Assim, não se verificou qualquer violação da lei nem incumprimento das disposições contratuais.
Além disso, face à declaração da nulidade do respectivo acto administrativo na sequência das condenações no caso Ao Man Long, naquela altura a Administração considerou que a demolição do edifício construído no lote da Fábrica de Curtumes envolveria certos recursos e custos, tendo ainda um impacto objectivo negativo sobre o ambiente, portanto, considerou que a manutenção da situação do edifício construído corresponderia melhor ao interesse público. Na opinião do CCAC, a decisão da Administração tomada naquele momento pode promover, de alguma forma, o aproveitamento do terreno em causa, cumprindo ainda o princípio do aproveitamento útil e efectivo dos terrenos. Até ao momento, não foi verificada pelo CCAC qualquer existência do indício de prática de crimes, nem foi confirmada, por enquanto, qualquer existência aparente de ilegalidades ou irregularidades administrativas.
Na investigação, o CCAC verificou que, a aprovação do projecto de arquitectura do lote da Fábrica de Curtumes, que teve lugar em 2018, baseou-se nas condições de construção previstas na planta de alinhamento oficial que foi novamente elaborada em Maio de 2010, com uma óbvia antecedência de 4 anos relativamente à entrada em vigor da Lei do Planeamento Urbanístico, ou até ainda mais cedo, antes mesmo da entrada no processo legislativo da respectiva proposta de lei. Posteriormente, devido às alterações ao projecto de arquitectura, tornou-se necessária, por várias vezes, a solicitação das plantas de alinhamento durante a vigência do prazo de aproveitamento do terreno, mas não foram alteradas as condições de construção. Por isso, o CCAC considera que não existe qualquer planeamento fora do prazo definido ou fuga à Lei do Planeamento Urbanístico, praticadas pelos serviços competentes.
Relativamente ao método de cálculo do prémio de concessão de terrenos do lote em causa, no entender do CCAC, não se verificou qualquer erro na aplicação da lei por parte da então DSSOPT, mas a lógica utilizada no cálculo da dedução do montante do prémio a pagar carece de ponderação sobre a razoabilidade e a justiça na distribuição de interesses. Segundo o que foi apurado na investigação do CCAC, a “Companhia Trust Art” requereu, em 2014, a revisão do contrato de concessão do lote da Fábrica de Curtumes, a então DSSOPT procedeu ao cálculo do montante do prémio que era correspondente ao valor do terreno em 2014 com base nos valores desse ano que serviram de base para o cálculo do valor do prémio, combinado com as áreas brutas de construção afectadas a cada finalidade constantes do novo projecto da “Companhia Trust Art” e a fórmula prevista no “Método de determinação do montante do prémio de concessão”. Em seguida, a então DSSOPT pressupôs que a “Companhia Trust Art” concluiria, em 2014, o projecto original de arquitectura elaborado pela “Empresa Nam Fong” em 1996, calculando assim o montante total do prémio a pagar através do valor base e da fórmula de cálculo do prémio de 2014. Uma vez que ao resultado do primeiro cálculo, a então DSSOPT, subtraiu o resultado do segundo cálculo, tal gerou um valor negativo, pelo que concluiu que a “Companhia Trust Art” não tinha necessidade de pagar o prémio adicional relativo ao seu projecto de arquitectura.
Por sua vez, o CCAC considera que, a “Empresa Nam Fong” pagou integralmente o prémio previsto no contrato inicial de concessão do terreno em 1995, cujo montante foi calculado com base no contexto económico do ano em causa, e que o respectivo contrato de concessão do terreno estava em conformidade com o projecto de arquitectura aprovado na altura. Já que a revisão do projecto de arquitectura da “Companhia Trust Art” foi aprovada em 2014, e a situação socio-económica na altura também se alterou significativamente, tendo sido excluídos outros factores objectivos favoráveis à respectiva concessionária ou ao subconcessionário do terreno, o montante do prémio já pago para o cumprimento do contrato original deveria ter sido usado, directamente, como valor para efeitos de dedução do prémio a pagar para o cumprimento do contrato novo, em vez de se utilizar um hipotético montante do prémio a pagar no caso de a “Companhia Trust Art” concluir o projecto de arquitectura da “Empresa Nam Fong”.
O CCAC reitera que o contrato de concessão de terrenos é, por natureza, um contrato administrativo, pelo que os serviços competentes devem assegurar a execução efectiva desses contratos de concessão, no sentido de salvaguardar o interesse público relacionado com os terrenos. Por outro lado, um dos objectivos da criação do prémio de concessão de terrenos consiste na defesa do interesse do Território, sendo a respectiva criação uma forma de comparticipação dos lucros que se prevê venham a obter com o desenvolvimento do projecto de arquitectura por parte do concessionário. Pelo exposto, o método concreto de cálculo do montante do prémio deve ser determinado com base na filosofia e nos objectivos que presidiram à sua criação, tendo em conta a situação socio-económica da altura em que foi aprovada a alteração do projecto de arquitectura e os lucros esperados, não devendo ter apenas em consideração a defesa da estabilidade e da segurança do contrato de concessão de terrenos. Só através desta prática é que o espírito legislativo dos diplomas legais relacionados com os terrenos e o interesse público podem ser concretizados e protegidos ao máximo. Caso contrário, os concessionários só apresentariam o pedido de reaproveitamento de terrenos após o aumento do valor desses terrenos, e o recálculo do montante do prémio seria efectuado de acordo com a lógica acima referida relativa à dedução do montante do prémio por parte dos serviços de obras públicas, o que provocaria inevitavelmente consequências tais como o açambarcamento de terrenos, sendo o interesse público relacionado com os terrenos obviamente prejudicado.
O CCAC salienta que o artigo 155.º da nova Lei de Terras introduz a fórmula de cálculo do prémio nas situações de transmissão das concessões, sendo que o valor a ser deduzido corresponde ao montante do prémio efectivamente recebido pelo Governo da RAEM, e o resultado da diferença é considerado como o montante do prémio que deve ser pago no âmbito da última revisão do contrato de concessão. O referido artigo pode ser considerado um marco importante no combate aos actos de açambarcamento de terrenos, na medida em que tem em vista a redução das situações de obtenção de lucros avultados através da transmissão dos contratos de concessão de terrenos aquando da subida do respectivo valor, na sequência de o concessionário inicial não ter aproveitado o terreno dentro do prazo fixado para o efeito. Nestes termos, os serviços competentes devem ponderar seriamente sobre a necessidade de rever o conceito do prémio de concessão e sobre a lógica de cálculo do mesmo, entre outras matérias, para que o valor do prémio de concessão se aproxime, na medida do possível, do valor do mercado dos terrenos.
O CCAC refere ainda que, relativamente às situações que carecem de ser solucionadas e que não estão expressamente previstas na lei, os serviços de obras públicas limitaram-se, no passado, a actuar seguindo as regras e instruções internas resultantes da prática habitual, nomeadamente utilizando o método alternativo relativamente ao cálculo da área de sombra projectada e as regras para a dedução do prémio de concessão, etc. No entanto, os métodos e as regras utilizadas nas soluções e que têm implicações directas com o interesse geral da sociedade e com a segurança pública não devem ser alvo de discussão e decisão apenas internamente por um determinado serviço público, devendo os mesmos ser apresentados sob a forma de normas jurídicas genéricas e públicas, visto que só assim é que a credibilidade e a transparência podem ser alcançadas.
O CCAC já apresentou os resultados da investigação ao Chefe do Executivo e sugeriu que os serviços de obras públicas fossem instados a dar mais atenção à gestão de terrenos na sequência da revisão do caso do terreno onde se localizava a Fábrica de Curtumes, a fim de proceder à implementação e concretização efectiva do regime de aproveitamento de terrenos previsto na nova Lei de Terras, devendo também ponderar seriamente sobre a revisão das práticas em causa, nomeadamente no que respeita ao método de cálculo e à necessidade da lógica de dedução, bem como devem proceder ao enquadramento jurídico das instruções internas ou dos métodos ou instrumentos habitualmente utilizados e acelerar a consolidação do actual regime do prémio de concessão, para que o valor do mercado dos terrenos de Macau possa ser reflectido efectivamente nos prémios de concessão, salvaguardando, com total empenho, os preciosos recursos de solos existentes na RAEM.