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TUI: A Administração carece de poderes especiais para participar nas acções relativas a questões de propriedade ou posse respeitantes às partes comuns do condomínio


A e B eram os donos e legítimos proprietários da fracção Z1, para comércio, do 1.º andar dum prédio, à qual corresponde o direito de uso exclusivo dos lugares de estacionamento n.ºs 1 a 62 do mesmo prédio. No entanto, por volta do ano de 2010, a Comissão Administrativa do prédio ordenou a colocação duma cancela no acesso aos lugares de estacionamento n.ºs 1 a 31 e deu de arrendamento esses lugares de estacionamento recebendo as respectivas rendas sem qualquer autorização de A e B, estando estes impedidos de gozar o direito de uso que lhes assiste daqueles lugares de estacionamento.

A e B propuseram no Tribunal Judicial de Base acção declarativa sob a forma de processo ordinário de reivindicação contra a Comissão Administrativa.

O TJB julgou procedente a acção proposta, declarando os Autores como titulares do direito de uso exclusivo dos lugares de estacionamento n.ºs 1 a 31 sitos no 1.º andar do prédio, condenando a Ré a desocupar e restituir de imediato esses mesmos lugares de estacionamento aos Autores, livres e devolutos de pessoas e bens, assim como a pagar aos Autores a quantia mensal de MOP67.053,00, desde Março de 2019 até à efectiva entrega dos mesmos.

Inconformada, a Ré interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância, o qual proferiu acórdão em 15 de Outubro de 2021, concedendo provimento ao recurso na parte em que se alegou a falta de capacidade judiciária da Ré e absolvendo-a da instância.

Inconformados, os Autores interpuseram recurso para o Tribunal de Última Instância.

O TUI procedeu ao conhecimento da causa. Indicou o Tribunal Colectivo que da articulação entre os n.ºs 2 e 3 do art.º 45.º da Lei n.º 14/2017 resulta que o Condomínio apenas pode ser demandado ao abrigo do n.º 2 quando estejam em causa actos de conservação ou fruição de coisas comuns (v.g. a realização de obras de conservação em parte imperativamente comum, pretendida por condóminos), ou actos conservatórios dos respectivos direitos, ou a prestação de serviços comuns (v.g., cobrança de serviços prestados pela empresa de manutenção e conservação dos elevadores), o mesmo se passando com a acção de impugnação do despedimento do porteiro, na qual deve ser demandado o administrador em representação do condomínio, por se tratar de serviços de interesse comum. Porém, já não terá personalidade judiciária, nem poderá ser, consequentemente, representado pela Administração, quando estejam em causa acções relativas a questões de propriedade ou posse de bens comuns, salvo se a assembleia geral do condomínio atribuir para o efeito poderes especiais à Administração, o que inclui, por exemplo, acções de reivindicação, acções de manutenção ou restituição da posse, embargos de terceiro etc..

No presente processo está em causa uma questão de posse de uma parte comum por um condómino com base num direito real de gozo. Atento o disposto no n.º 3 do art.º 45.º da Lei n.º 14/2017, Regime Jurídico da Administração das Partes Comuns do Condomínio, na ausência de uma deliberação da Assembleia Geral de atribuir poderes especiais à Administração, o Condomínio não pode operar enquanto centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, não possuindo a necessária personalidade judiciária, não podendo também, por conseguinte, ser representado pela Administração e, por isso, não tendo capacidade judiciária.

Considerando que não há forma de obrigar a Assembleia de Condóminos a votar no sentido de atribuir poderes especiais à Administração e, sobretudo, porque não está em causa uma das situações previstas na lei para sanação da falta de personalidade judiciária, (cfr., art.ºs 41.º, n.º 3, e 42.º, n.º 3 do C.P.C.M.), apresenta-se de considerar que esta apontada falta de personalidade judiciária é insanável, afectando, do mesmo modo, a capacidade judiciária da Administração do Condomínio cuja falta assim se constata.

Assim sendo, afigura-se ao Tribunal Colectivo do TUI que censura não merece a decisão do TSI no que toca à questão da falta de capacidade judiciária da Ré.

Face ao exposto, acordaram no Tribunal Colectivo do TUI em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, no Processo n.º 23/2022.