Em Março de 2015, A foi recrutada por B, para prestar auxílio a B na administração do centro de explicações C criado por B, desempenhava funções de explicadora, e era também sócia do centro. Visando as necessidades operacionais do centro de explicações C, muitas vezes, B dava instruções a A e a demais explicadores do centro para elaborarem provas modelo destinadas aos alunos do centro. Todas as provas modelo elaboradas pelos explicadores do centro de explicações C e disponibilizadas aos seus alunos eram bens operacionais do aludido centro, sendo evidentemente propriedades dos operadores do centro de explicações C e tendo o seu valor económico substancial. Em 20 de Dezembro de 2018, A e seus amigos entraram sem autorização no centro de explicações C e tiraram grande quantidade de materiais, bem como recolheram e empacotaram a maior parte das provas modelo em papel e alguns objectos dos outros explicadores que lá encontraram. Em 21 de Dezembro de 2018, A e seu marido tiraram, sem o consentimento de B, várias caixas com materiais, incluindo grande quantidade de provas modelo e de provas em papel. Finda a contagem, B constatou que as provas subtraídas eram elaboradas por A e por outros dois explicadores contratados pelo centro em apreço. Face ao caso acima exposto, em 14 de Abril de 2019, B apresentou queixa ao Núcleo de Denúncias e Intervenção da Polícia Judiciária. O processo foi encaminhado, com a acusação deduzida pelo Ministério Público, ao Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base para o julgamento. Findo o julgamento, o Juízo Criminal condenou A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um “crime de furto”, p. e p. pelo art.º 197.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de multa de 240 dias, à taxa diária de MOP100,00, o que perfazia o total de MOP24.000,00, e, se não fosse paga a pena de multa, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 47.º do Código Penal, seria cumprida a pena de prisão de 160 dias. Inconformada, A recorreu da sentença para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso.
Quanto à questão de falta de queixa válida, apontou o Tribunal Colectivo que o facto ocorrido em 21 de Dezembro de 2018 não devia ser interpretado como um crime autónomo, visto que este era a extensão do facto ocorrido em 20 de Dezembro. B tomou conhecimento do facto em 21 de Dezembro e apresentou queixa à Polícia em 14 de Abril de 2019, porém, a data da apresentação da queixa estava dentro do prazo de 6 meses previsto na lei, pelo que a queixa apresentada por B por conduta de furto abrangia necessariamente todos os factos associados ao acto criminoso, independentemente de os mesmos serem ou não posteriores ao acto criminoso. Portanto, a queixa deduzida por B era tempestiva, legal e válida. No que concerne à questão de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, afirmou o Tribunal Colectivo que as provas modelo subtraídas eram resultado do tempo e esforço despendidos pelos explicadores do centro de explicações C, sendo suficiente para levar o Tribunal a concluir que “as provas em questão eram materiais indispensáveis para o centro de explicações e tinham o seu valor económico substancial, a par disso, depois das provas terem sido subtraídas por A, o centro de explicações não pôde funcionar normalmente durante um curto período de tempo”. Face à questão de contradição insanável da fundamentação, assinalou o Tribunal Colectivo que o momento da dissolução da relação de parceria entre B e A não afectava a natureza das provas modelo em causa. Mesmo que, na altura, A fosse sócia do centro de explicações C, não podia a mesma subtrair e apropriar-se das provas modelo, já que tais provas eram propriedade do aludido centro de explicações, sendo protegidas pela lei penal, ou seja, nenhum dos sócios podia dispor dos bens da empresa antes da sua partilha, acresce que, à altura, o centro de explicações C ainda se encontrava em funcionamento e não em cessação da actividade. Relativamente à questão de erro notório na apreciação da prova, indicou o Tribunal Colectivo que, com base na análise dos motivos de recurso expostos por A, se averiguou que A não tinha parado de salientar que as declarações de B eram inacreditáveis e o Tribunal devia admitir as declarações dela. Todavia, os fundamentos do recurso previstos no n.º 2 do art.º 400.º do Código de Processo Penal são dirigidos contra a decisão do Tribunal a quo sobre a apreciação da prova, e têm de resultar dos elementos constantes dos autos, especialmente da própria sentença, mas não consubstanciam uma nova análise e apreciação das respectivas provas. Quanto à questão de dolo subjectivo ou dolo dirimente, conforme o Tribunal Colectivo, das provas constantes dos autos se demonstrou que A, ao praticar os actos, sabia perfeitamente que as provas modelo subtraídas não eram todas elaboradas por ela, algumas delas eram elaboradas por outros explicadores. A também tinha conhecimento de que os materiais de ensino, as provas modelo, os livros didácticos, entre outros elementos eram instrumentos operacionais relevantes do centro de explicações C, portanto, a falta desses elementos causaria impacto severo ao funcionamento do aludido centro. A estava ciente de que, antes da resolução do problema da relação de parceria com o centro de explicações C, não podia tirar, unilateralmente, sem o consentimento dos demais sócios, os bens do referido centro, pelo que nenhuma censura merecia o entendimento do Juiz do Tribunal a quo que concluiu que A tinha praticado o facto por dolo.
Face ao expendido, acordaram no TSI em negar provimento ao recurso interposto por A, mantendo-se a decisão a quo.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 831/2021.