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Um cônjuge não pode invocar a violação do dever de fidelidade como fundamento autónomo do divórcio, devido à atitude infiel do outro cônjuge após decorridos 7 anos de separação de facto


A e B contraíram matrimónio em Macau, em 1973, e, durante a constância do matrimónio, tiveram quatro filhos em comum. A descobriu que B estabeleceu uma relação extraconjugal com uma outra mulher que, em 1981, deu à luz uma filha de B. Desde o ano de 2014, apesar de A e B viverem na mesma casa, já se encontravam em separação de vida, de leito e de mesa. Nesse ano, a separação de A e B foi acordada entre ambos; A deixou de ter vontade de coabitar e manter a relação matrimonial com B. Em 2018, B abandonou a casa de morada de família em Macau e passou a viver com a referida mulher e a filha de ambos em Hong Kong. A sofreu de perturbação psicológica, por longo tempo, devido à traição de B. Em 2021, A intentou no Tribunal Judicial de Base uma acção de divórcio litigioso contra B. O TJB julgou parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção, concluindo que B tinha violado os deveres conjugais de fidelidade, de coabitação, de assistência e de respeito, e condenando-o a pagar a A a indemnização por danos decorridos dos actos de violação do dever de fidelidade. Inconformado, recorreu B do decidido para o Tribunal de Segunda Instância. Na óptica de B, à excepção do dever de assistência, os restantes deveres conjugais cessaram em 2014, data em que se ocorreu a separação de facto acordada entre as partes, daí que o prazo da caducidade do direito da acção ao divórcio previsto no art.º 1641.º do Código Civil deve contar a partir daquela data. Ademais, no entendimento de B, o TJB violou o disposto no n.º 1 do art.º 1647.º do Código Civil ao condená-lo pagar a A indemnização por danos decorridos dos actos de violação do dever de fidelidade e não da dissolução do casamento.

O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso, procedendo à análise dos deveres conjugais. Face ao dever de coabitação, de acordo com o Tribunal Colectivo, tal dever deixou de existir com a separação de facto acordada entre as partes em 2014. Em relação ao dever de fidelidade, conforme o Tribunal Colectivo, em princípio, os cônjuges, não obstante separados de facto, deveriam ser mutuamente fiéis na constância do matrimónio. No entanto, no curso da separação de facto e tendo em conta a necessidade da natureza humana, entendeu o Tribunal Colectivo que não seria exigível o cumprimento do dever de fidelidade numa separação de facto de período relativamente longo, não podendo A invocar a violação dos aludidos dois deveres por B como fundamento autónomo do divórcio. No presente caso, o adultério de B começou em 1977 e esta atitude infiel de B levou a que A acordou com este a separação de facto em 2014. Não se afigura razoável que decorridos mais de 7 anos após a separação de facto, A ainda pudesse invocar a violação do dever de fidelidade como fundamento do divórcio litigioso. Quanto ao dever de respeito, defendeu o Tribunal Colectivo que a separação de facto não eximiria tal dever, já que este dever existe não só nas relações matrimoniais, antes é um dever geral das relações sociais. No que concerne à indemnização, segundo o Tribunal Colectivo, os danos causados pelo cônjuge culpado ao outro, cujo ressarcimento visa tutelar o n.º 1 do art.º 1647.º do Código Civil, não devem limitar-se aos causados pela própria cessação dos laços matrimoniais, mas sim devem abranger também os danos produzidos na constância do casamento pelas condutas violadoras de deveres conjugais da autoria do cônjuge declarado culpado.

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordaram no TSI em conceder provimento parcial ao recurso interposto, e consequentemente revogar a sentença recorrida na parte que julgou improcedente a excepção da caducidade do direito da acção em relação aos deveres de coabitação e de fidelidade como fundamentos autónomos do divórcio litigioso, e manter a sentença recorrida nos demais decididos.

Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 560/2022.