O Comissariado da Auditoria (adiante designado por CA) divulgou o relatório de auditoria de resultados sobre o “Apoio financeiro atribuído pelo Fundo do Desporto a competições desportivas”, que teve como objectivo analisar a concessão e verificação dos apoios financeiros atribuídos pelo Fundo do Desporto (adiante designado por FD). Esta auditoria envolveu documentação relativa a apoios financeiros a competições desportivas atribuídos a 57 associações desportivas para a realização de competições de âmbito internacional e outros grandes eventos desportivos realizados entre 2018 e 2021, cujo valor total dos apoios financeiros atribuídos rondou os 137 milhões de patacas. Conforme se aludiu no relatório, o CA constatou que o FD não levou a cabo um controlo eficaz dos trabalhos de concessão de apoios financeiros atribuídos a competições desportivas nem das verificações de despesas realizadas com as mesmas, e constatou igualmente uma enorme discricionariedade na condução dos procedimentos de apoio financeiro, tendo havido casos em que foram atribuídos apoios financeiros a mais.
O relatório referiu que o Conselho Administrativo do FD não elaborou regras para orientar os procedimentos para a concessão de apoio financeiro destinado a competições desportivas, fazendo com que as divisões responsáveis por esses trabalhos tivessem que elaborar, por sua iniciativa, documentos orientadores para a respectiva concessão sem que tivessem sido aprovados e assinados pela entidade competente. O laxismo nos trabalhos de fiscalização do FD deveu-se à passividade do seu pessoal dirigente e à deficiência nos mecanismos de controlo que deviam ter sido aprovados pelo órgão competente. A falta de rigor é tal que dá a impressão, não só aos requerentes de apoio financeiro, como a terceiros, que as orientações não são para ser levadas a sério e que, sobretudo, são altamente permissivas.
Relativamente à fiscalização da concessão de apoios financeiros, o CA seleccionou, por amostragem, 14 pedidos de apoio financeiro concedidos a competições desportivas, nos quais se verificaram discrepâncias nos valores dos apoios financeiros atribuídos por pessoa relativamente à realização de banquetes e às despesas com a alimentação em geral. As explicações prestadas pelo FD não foram satisfatórias, chegando mesmo a ser contraditórias. Ao mesmo tempo, verificaram-se discrepâncias óbvias na atribuição de subsídios relativamente a encargos da mesma natureza. Em relação a refeições tomadas em hotéis, a atribuição do respectivo subsídio teve por base o preço médio de uma refeição praticado na altura em causa em hotéis da mesma categoria. No que diz respeito a refeições tomadas no local do evento desportivo, o apoio concedido teve por base o preço médio de uma refeição take-away. Além disso, constatou-se que, relativamente a um evento desportivo que ia ser realizado pela primeira vez, o FD atribuiu um apoio financeiro mais elevado de modo a permitir maior flexibilidade à associação na determinação do número de participantes; ora, esta justificação é obviamente irrazoável.
No que diz respeito ao subsídio a atribuir ao pessoal de apoio à organização de eventos desportivos, constataram-se grandes disparidades no que diz respeito ao seu número, à duração dos trabalhos, bem como à sua retribuição. Quando questionado acerca desta situação, o FD afirmou que se teve em consideração o volume de trabalho requerido, a dimensão e necessidades do evento desportivo. No entanto, o FD não foi capaz de fornecer informações relativamente à duração e âmbito dos trabalhos do pessoal de apoio. Além disso, o FD referiu que o montante dos apoios financeiros para a contratação desse pessoal depende do volume de trabalho. Porém, constataram-se casos em que algumas pessoas contratadas para esse efeito auferiram uma retribuição mensal semelhante à de um secretário a tempo inteiro de uma associação desportiva, ao mesmo tempo que acumulavam outras funções.
Identificaram-se, também, casos em que as regras orientadoras para a concessão de apoios financeiros não foram correctamente implementadas, nomeadamente, foram aceites, para efeitos de verificação de despesas, despesas que não constavam do pedido de apoio financeiro, despesas com banquetes e alimentação em geral superiores ao limite previsto, atribuição de apoios com base numa taxa de câmbio significativamente mais alta do que a prevista nos documentos orientadores e falta de consulta de preços, por parte das entidades beneficiárias, a pelo menos três entidades da especialidade. Tais falhas demonstram que o FD não levou a cabo uma fiscalização eficaz, nomeadamente, no que diz respeito à realização de despesas claramente irregulares.
Relativamente aos trabalhos de verificação de despesas dos projectos financiados, o FD não estabeleceu nos documentos orientadores procedimentos claros relativamente à maior parte dos trabalhos de verificação de despesas, cabendo às divisões pertinentes avaliar, por si, a sua razoabilidade. Ademais, foram aceites documentos que não correspondiam às exigências previstas nos documentos orientadores. Por outro lado, relativamente às competições co-organizadas, num primeiro momento, o FD afirmou que as associações co-organizadoras apenas precisavam de cumprir os princípios ou algumas disposições previstas nas “Orientações para formalizar os pedidos”. No entanto, quando o CA quis saber, em concreto, quais as disposições que deviam ser seguidas, o FD alterou várias vezes a sua resposta: num primeiro momento, começou por dizer que as Orientações não eram aplicáveis, mais tarde, afirmou que apenas não era necessário cumprir a exigência da entrega do comprovativo de transporte. Depois, voltou a emendar-se, e afirmou que as “Orientações para formalizar os pedidos” não se aplicavam. A inconsistência das declarações é por demais notória.
No que diz respeito aos mecanismos de controlo de verificação de despesas, o FD aceitava documentos justificativos de despesas que não correspondiam ao montante constante nos documentos de apreciação dos pedidos – nomeadamente, despesas superiores aos valores atribuídos ou que não correspondiam às unidades a adquirir e ao preço aprovado, desde que não excedesse o limite máximo previsto do apoio concedido para a rubrica em causa; aceitação da utilização do remanescente de uma rubrica de despesa noutra rubrica, desde que tivessem a mesma classificação – e relativamente às competições co-organizadas, admitia-se o pagamento de despesas que não constassem dos documentos de apreciação dos pedidos, desde que fossem razoáveis. A este respeito, o FD referiu que não era necessário dar a conhecer à entidade competente tais alterações, apesar de fazerem com que as despesas efectivamente apoiadas se desviassem bastante do inicialmente previsto, suscitando, com efeito, problemas óbvios. Neste sentido, destaca-se um caso em que o FD atribuiu um apoio de valor mais reduzido do que o constante no pedido de apoio financeiro, mas, aquando da verificação de despesas, foram aceites despesas realizadas pela entidade beneficiária de valor aproximado ao que constava no referido pedido. Noutro caso, constatou-se que o valor remanescente do apoio financeiro referente a uma rubrica de despesas foi utilizado para o pagamento de despesas constantes noutra rubrica, mas dentro da mesma classificação de despesa – no caso, despesas com alimentação em geral e banquetes. Em ambas as situações, as despesas foram aceites pelo FD para efeitos de verificação de despesas sem ter havido qualquer pedido de esclarecimento.
Constatou-se igualmente que foram aceites, para efeitos de verificação de despesas, documentos justificativos de despesas inadequados, nomeadamente, documentos que não continham informações essenciais, tais como as unidades a adquirir, o preço ou o tipo do evento em causa, demonstrando apenas o total dos gastos realizados. Foram também aceites a apresentação de “listas de pessoal” ou fichas de marcação de presença do prestador de serviços para efeitos de justificação de despesas. A apresentação deste tipo de documentos não permitiu ao FD implementar trabalhos de análise e verificação adequados, não obstante, tais despesas foram aceites porque o FD confiava na boa fé das associações desportivas beneficiárias.
Durante a auditoria foram constatadas deficiências na fiscalização das despesas, entre as quais se destaca a realização de uma despesa dúbia relacionada com o alojamento de um indivíduo que não tinha correspondência com a duração da estadia e que, ainda assim, o FD aceitou para efeitos de verificação de despesas sem pedir qualquer justificação para tal discrepância. Noutro caso, constatou-se que um evento desportivo teve uma redução de 30% no número de participantes e, todavia, os gastos inicialmente previstos com alojamento em hotéis e refeições mantiveram-se, na medida em que elas já tinham sido fixadas e não era possível a sua alteração, acabando estas por ser aceites para efeitos de verificação de despesas. De acordo com o FD situações como esta, isto é, em que há um desfasamento entre o número de participantes previstos e o número de participantes efectivos, eram comuns, pelo que não eram consideradas problemáticas. Outras situações constatadas tiveram que ver com o pagamento, para efeitos de verificação de despesas, de duas despesas com base no mesmo documento justificativo de despesas relativas a dois eventos desportivos distintos, desconformidades entre o valor das despesas efectivas e o valor constante nos recibos, inclusão de despesas indevidas, entre outras situações.
Relativamente ao apuramento de receitas, geralmente, o FD exige às associações a declaração e o preenchimento do montante total das receitas, bem como a entrega dos documentos justificativos. No momento da verificação das despesas, caso se apure que o evento desportivo gerou receitas superiores às estimadas, o excedente será tido em conta no cálculo do remanescente do apoio financeiro a ser, eventualmente, restituído. O FD informou este Comissariado que, considerando a relação de confiança entre ele e as associações beneficiárias, o FD usualmente aceitava a apresentação de uma única declaração contendo todas as receitas geradas, sem necessidade de prestar quaisquer informações acerca do seu cálculo, tal situação fez com que não fosse possível a verificação das receitas efectivamente geradas.
Relativamente aos trabalhos de acompanhamento da restituição do remanescente do apoio financeiro atribuído às associações desportivas, foram constatados casos em que o lapso de tempo entre o apuramento desse valor e o envio da notificação para a restituição do remanescente do apoio financeiro foi enorme (chegando a atingir 776 dias), noutros casos, a passividade e falta de rigor no acompanhamento das restituições do remanescente dos apoios financeiros fizeram com que estas fossem bastante demoradas (chegando a demorar mais de 935 dias), prejudicando a adequada afectação e utilização de dinheiros públicos.
Conforme referido nos comentários gerais do relatório, o apoio ao desenvolvimento desportivo sempre foi uma das prioridades das Linhas de Acção Governativa da Região Administrativa Especial de Macau. Deste modo, o FD tem a responsabilidade de assegurar o bom uso do erário público, que, aliás, é um dos princípios fundamentais da administração pública e um elo fundamental na implementação de políticas. Os resultados da auditoria ao FD revelaram que a concessão de apoios financeiros e a verificação das despesas com a participação e organização de competições desportivas, nomeadamente, de cariz internacional, foi pouco científico e irracional e que, houve insuficiências por parte do FD no âmbito da implementação das orientações adoptadas, nomeadamente, constatou-se que, no momento da atribuição dos apoios financeiros, essas orientações foram alteradas arbitrariamente ou parcialmente implementadas sem que nada dispusesse nesse sentido, o mesmo sucedendo no que diz respeito aos trabalhos de verificação de despesas, sendo um risco significativo em termos de administração da coisa pública.
Com a recuperação socioeconómica verificada após o levantamento das restrições provocadas pela pandemia de COVID-19, prevê-se que serão realizados vários grandes eventos desportivos em Macau, sendo, portanto, a posição do FD de enorme responsabilidade. Pelo exposto, é necessário que o FD acompanhe, com rigor, os problemas detectados, resolva-os oportunamente, e fortaleça a fiscalização relativamente à forma como os recursos públicos são gastos a fim de evitar que situações como as verificadas neste relatório ocorram novamente.
O relatório de auditoria de resultados foi já submetido ao Chefe do Executivo, podendo os interessados aceder à sua versão electrónica através do site do CA (https://www.ca.gov.mo) ou levantar exemplares em papel, disponibilizados na sua sede durante o horário de expediente.