E era uma sociedade comercial que explorava as actividades de desenvolvimento e operação hoteleira. A e B eram administradores da sobredita sociedade. Visando promover a construção do Hotel X na Estrada de Seac Pai Van em Coloane, a Sociedade E obteve o financiamento de empréstimo, no valor de HKD3.045.000.000,00, concedido pelo Banco D. Para garantir o empréstimo, a Sociedade E constituiu uma hipoteca ao Banco D através da procuração que lhe tinha sido outorgada pela concessionária do terreno, a par disso, os dois sócios da Sociedade E também penhoraram as suas acções ao Banco D, bem como outorgaram duas procurações ao aludido Banco, autorizando-o a exercer todos os “direitos de posse da Sociedade em causa”. O Hotel X iniciou as suas actividades em 31 de Agosto de 2018, mas cessou-as em 15 de Fevereiro de 2020. Em 21 de Junho de 2021, A e B, na qualidade de sócios da Sociedade, assinaram e apresentaram ao Tribunal o pedido de falência voluntária da Sociedade E, porém, com fundamento em que “não se constata que os requerentes se encontrem actualmente na situação em que seja obrigada a apresentação do pedido de falência”, em 23 de Julho, o Banco D, em representação da Sociedade E, deduziu a desistência do pedido de falência supracitado e, por seu turno, no mesmo dia, o Tribunal declarou a extinção do procedimento judicial. A seguir, A e B pediram novamente a abertura do processo de falência, a par disso, os sócios da Sociedade E aprovaram a deliberação, reafirmando a sustentação do pedido de falência e revogando as duas procurações outorgadas ao Banco D. Todavia, o Banco D deduziu novamente a desistência do pedido de falência e, por seu turno, o Tribunal aceitou e deferiu o pedido de desistência da acção, ainda que o mandatário judicial da Sociedade E tenha deduzido oposição. Concomitantemente, o Banco D, na qualidade de procurador dos sócios da Sociedade E, aprovou a deliberação na assembleia de accionistas realizada em 23 de Setembro de 2021 na sede da Sociedade, exonerando-se A e B do cargo de administrador da Sociedade e nomeando-se C como o único administrador da Sociedade, alterando-se o estatuto da Sociedade, a fim de designar obrigatoriamente o único administrador da Sociedade e permitir que C vinculasse a Sociedade pela sua conduta. Por conseguinte, A e B requereram o procedimento cautelar especificado da suspensão da execução de deliberações sociais no Tribunal Judicial de Base, solicitando que fosse suspensa a execução da deliberação aprovada em 23 de Setembro de 2021 pelo Banco D, na qualidade de procurador dos sócios da Sociedade E.
Pela sentença de 8 de Abril de 2022 do Juiz do TJB, o pedido de medida cautelar formulado por A e B foi julgado improcedente. Inconformados, A e B interpuseram recurso para o Tribunal de Segunda Instância. Findo o julgamento, o TSI negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.
Ainda inconformados, A e B do acórdão do TSI recorreram para o Tribunal de Última Instância. O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso.
No que concerne à justa causa para a revogação das procurações e à obrigação legal do órgão de administração no requerimento de falência, apontou o Tribunal Colectivo que, geralmente, uma procuração pode ser revogada livremente; contudo, se a procuração for outorgada em sede do interesse do procurador, só há lugar à revogação da procuração quando se verifique o consentimento do procurador ou a justa causa. In casu, os dois sócios da Sociedade E penhoraram as suas acções ao Banco D, bem como outorgaram duas procurações ao aludido Banco. Daí se vislumbra que as referidas procurações foram outorgadas em virtude dos interesses do procurador, pelo que a revogação destas deve ser realizada com o consentimento do procurador ou com justa causa. Embora, posteriormente, os sócios da Sociedade E tenham tentado revogar as duas procurações em apreço e, em 4 de Agosto de 2021, tenham notificado o Banco D da revogação, o Banco D nunca manifestou o seu consentimento e, em 23 de Setembro, na qualidade de procurador dos sócios da Sociedade E, realizou a assembleia de accionistas, deliberando destituir os dois administradores da Sociedade (ora Autores A e B) e nomear C como o único administrador. Por outro lado, no entendimento dos Recorrentes, a desistência do pedido de falência deduzida pelo Banco D equivale à violação do art.º 1047.º do Código de Processo Civil que preceitua que o órgão de administração de sociedade deve apresentar o requerimento de falência ao Tribunal. No entanto, de acordo com o Tribunal Colectivo, a obrigação legal em questão não exclui a aplicação da alínea e) do n.º 2 do art.º 1048.º do mesmo Código, ou seja, o órgão de administração só pode apresentar o pedido de falência quando tenha adquirido a deliberação social relativa ao aludido pedido, não havendo incompatibilidade nem discrepância entre os dois assuntos. Nesta conformidade, tendo em consideração as circunstâncias concretas do caso, entendeu o Tribunal Colectivo que não se verificava a “justa causa” para a revogação das procurações assacada pelos Recorrentes, e que era ilegal a revogação das procurações pelos sócios da Sociedade E sem o consentimento do Banco D, revogação essa não produziria efeito nenhum perante o procurador, improcedendo esta parte do recurso.
Quanto ao abuso de representação, de antemão, o Tribunal Colectivo questionou a legitimidade dos Recorrentes na colocação da sobredita questão, já que os interesses e as posições jurídicas dos Recorrentes não foram directamente afectados pelas procurações, mas os seus interesses foram directamente afectados pela deliberação social em causa, a par disso, a votação pelo Banco D em representação dos sócios só afectou indirectamente os interesses dos Recorrentes. Com efeito, o Banco D era competente para exercer, em representação dos dois sócios, “todos os direitos dos sócios”, incluindo os de participação na assembleia de accionistas e de votação da deliberação, aliás, as procurações em causa não fixaram nenhum limite especial, bem como foram outorgadas em virtude dos interesses do Banco. Daí se vislumbra que a deliberação tomada pelo Banco D que ora foi questionada pelos Recorrentes, não ultrapassou os limites e o objectivo das procurações, sendo compatível com os interesses do Banco D, não se verificando o abuso de representação, pelo que improcedeu esta parte do recurso.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 341.º do Código de Processo Civil, consideram-se pressupostos do pedido de suspensão da execução de deliberações sociais: as deliberações são contrárias à lei, aos estatutos ou ao acto constitutivo; e a execução dessas deliberações pode causar dano apreciável. Pela análise acima exposta, o Tribunal Colectivo concordou com o acórdão recorrido. O primeiro requisito de suspensão da execução de deliberações sociais – as deliberações são contrárias à lei, aos estatutos ou ao acto constitutivo – era improcedente, pelo que não era necessária a análise do segundo requisito – a execução dessas deliberações pode ou não causar dano apreciável – e podia concluir-se que não deveria ser deferido o pedido de suspensão da execução da deliberação deduzido pelos Recorrentes.
Face ao expendido, acordaram no Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 49/2023.