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Uniformização de Jurisprudência: O crime de roubo qualificado por utilização de arma proibida e o de armas proibidas estão numa relação de concurso efectivo


Num caso de roubo praticado por cambistas ilegais ocorrido em 2021 num hotel da zona do Cotai, A, aproveitando-se da oportunidade de trocar dinheiro para B, acatou este, juntamente com dois aliados seus, utilizando um pulverizador de pimenta, e roubou os HKD600.000,00 em numerário trazidos por B. Após o julgamento realizado pelo Tribunal Judicial de Base, este veio a condenar A, pela prática em co-autoria e na forma consumada de um crime de roubo p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 1, conjugado com n.º 2, al. b) e o art.º 198.º, n.º 1, al. a), bem como o art.º 196.º al. a) do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e pela prática em autoria e na forma consumada de um crime de armas proibidas p. e p. pelo art.º 262.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, A foi condenada numa pena de 3 anos e 9 meses de prisão efectiva.

Inconformada com o assim decidido, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que proferiu o seu Acórdão no Processo n.° 288/2022 no dia 2 de Junho de 2022, entendendo que o crime de armas proibidas e o crime de roubo qualificado por utilização de arma proibida estão numa relação de concurso efectivo. Deste modo, decidiu negar provimento ao recurso interposto pela A, e só que procedeu, oficiosamente, à alteração da norma incriminatória em relação ao crime de armas proibidas, mantendo inalterada, porém, a respectiva medida da pena aplicada.

O Ministério Público interpôs o recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência para o Tribunal de Última Instância, por entender que esta solução adoptada pelo Tribunal de Segunda Instância estava em oposição com a decisão por este mesmo Tribunal antes prolatada no outro processo de roubo praticado com faca, porque no Acórdão do Processo n.º 663/2021, proferido no dia 15 de Outubro de 2021, o Tribunal de Segunda Instância entendeu que o concurso entre os dois crimes referidos era tão só aparente, devendo o arguido ser apenas punido por o crime mais grave, isto é, o crime de roubo qualificado.

O Tribunal de Última Instância procedeu ao julgamento ampliado do recurso.

Indicou o Tribunal Colectivo que, destinando-se as normas penais a proteger bens jurídicos, adequado se mostra de considerar que, é a unidade ou pluralidade de bens jurídicos violados o factor determinante de unidade ou pluralidade de crimes em que uma certa relação de vida se traduz, e portanto a unidade ou pluralidade de tipos. O legislador configura o sistema sancionatório penal quanto ao concurso de infracções em matéria criminal segundo um critério de índole normativa e não naturalística, de modo que ao mesmo pedaço de vida, corresponda a punição por tantos crimes quantos os tipos legais que preenche, desde que ordenados à protecção de distintos bens jurídicos.

No caso concreto, sendo diversos os bens jurídicos tutelados pelas respectivas normas incriminadoras relativas aos crimes de roubo e de armas proibidas, e não operando qualquer dos fundamentos para se dar por verificado um concurso aparente (as regras da consunção, especialidade ou subsidiariedade). O crime de roubo qualificado pode ser cometido com a utilização de qualquer arma, mesmo que não proibida e, contemplando apenas o crime previsto no art.º 262.º do C.P.M., o uso e porte de armas proibidas, pelo que decidindo-se pela prática de apenas um só crime de roubo qualificado, algo parece ficar de fora e que no fundo, é o núcleo esencial da punição do tipo de crime do art.º 262.º.

O crime de detenção de arma proibidaé um crime de perigo abstracto, punindo-se com o crime de arma proibida o mero perigo do seu uso, sem se ter como destinatários uma pessoa determinada, mas sim um círculo de pessoas não determinadas, pois é de considerar que o funcionamento deste crime, ainda que como meio comissivo do posterior crime de roubo qualificado, não esgota o perigo, com a sua detenção, e que já se consumou em momento anterior, a uma pluralidade de bens jurídicos pessoais e patrimoniais de terceiros. E o mesmo sucede com a situação de dentenção de arma proibida após de com a mesma se ter anteriormente cometido um crime de roubo. A utilização da arma proibida no cometimento do crime de roubo, ainda que dando lugar à sua qualificação, não esgota ou consome o perigo que com a sua posterior detenção da mesma arma se atinge relativamente – não já às vítimas do crime de roubo já perpetrado – mas a uma pluralidade de bens jurídicos de terceiros.

Com efeito, os círculos de protecção das normas incriminatórias e punitivas em confronto, não são, em boa medida, sobreponíveis, e muito menos, concêntricos, não havendo a necessária e imprescindível referida conexão espácio-temporal, ou mesmo, qualquer justaposição ou intercepção entre as condutas típicas punidas por ambos os crimes, não se verificando, assim, os pressupostos que justificariam, ao abrigo do princípio do ne bis in idem, a exclusão da possibilidade de uma dupla punição por uma ofensa ao mesmo bem jurídico.

E, nesta conformidade, atenta a facticidade adquirida no Acórdão recorrido, e, especialmente, em face das já descritas circunstâncias de tempo, modo e lugar, assim, o Tribunal Colectivo entendeu que, com a conduta em causa incorreu-se na prática, em concurso efectivo, dos ditos crimes de detenção de arma proibida e de roubo qualificado.

Pelo exposto, o Tribunal Colectivo acorda em negar provimento ao recurso, bem como, uniformizar jurisprudência no seguinte sentido: Em face dos bens jurídicos protegidos pelas normas incriminatórias dos tipos de crime de roubo qualificado pelo emprego de arma proibida e de detenção de arma proibida, atentos os seus respectivos sujeitos passivos(ofendidos), e se adquirido estiver que o arguido deteve e circulou com a referida arma proibida em local público, vindo a cometer o crime de roubo com o seu uso em momento posterior, ou que, após o cometimento do crime de roubo(com o uso de arma proibida), manteve-se na sua posse, desta forma atingindo bens jurídicos não já da vítima daquele crime de roubo, mas de terceiros, adequada é a sua condenação como autor da prática em concurso efectivo de tais crimes.

Cfr. Acórdão do Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância n.º 94/2022-I.

Nos termos do art.º 426.º do Código do Processo Penal, o referido acórdão de uniformização de jurisprudência vai ser publicado no Boletim Oficial da RAEM, I Série, de 11 de Dezembro de 2023.