A, sendo adjunto-técnico do Centro de Prestação de Serviços ao Público da Zona Central do Instituto para os Assuntos Municipais, é competente para usar a “Plataforma dos serviços online de registo e notariado” da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça. A referida plataforma tem duas versões (“versão governamental” e “versão bancária”). A “versão governamental” disponibiliza, gratuitamente, facilitações aos trabalhadores do Órgão Administrativo no exercício das funções, pelo que os trabalhadores só podem usar a aludida versão da plataforma quando for necessário no exercício das suas funções; enquanto a “versão bancária” é disponibilizada para uso pelas instituições gerais, mas é cobrada uma taxa de MOP10,00 por cada mera consulta e por emissão de cada busca. Conforme os elementos fornecidos pela DSAJ, de 20 de Junho de 2017 a 11 de Setembro de 2019, A usou, sucessivamente, 44 vezes a aludida “Plataforma (versão governamental)” para consultar as informações do registo predial e/ou extrair buscas. Averiguado o caso, o instrutor concluiu que A tinha usado abusivamente a sobredita “Plataforma (versão governamental)” sem justificação, impedindo que a DSAJ cobrasse a quantia devida (no valor total de MOP330,00). Ademais, A prestou, várias vezes, serviços a um responsável duma agência de fomento predial que não tinha tirado senha, violando o “Guia de atendimento prioritário para cada local de serviço” e o método de funcionamento quotidiano dos centros do IAM. Por despacho de 14 de Julho de 2020 do Secretário para a Administração e Justiça, foi aplicada a pena de demissão a A devido ao facto supracitado. Do referido despacho recorreu contenciosamente A para o Tribunal de Segunda Instância. Em 1 de Julho de 2021, o TSI julgou procedente o recurso, anulando o acto administrativo recorrido. Inconformado, o Secretário para a Administração e Justiça recorreu do decidido para o Tribunal de Última Instância.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do caso. Entendeu o Secretário para a Administração e Justiça que a decisão do TSI padecia do vício de erro no resultado jurídico causado pelo erro na convicção, por ter concluído que não existia a violação do dever de isenção por A. Face a isto, o TUI concordou com a óptica do Tribunal recorrido, ou seja, não havia factos que demonstrassem que A tinha tirado partido indevido através da infracção disciplinar cometida e, consequentemente, violara o princípio da isenção. Apontou o Tribunal Colectivo que tanto na acusação como no relatório do processo disciplinar não se mencionou especialmente se A tinha obtido ou não benefício ilícito, e apenas se assinalou que o facto praticado por A “impediu que a DSAJ cobrasse a quantia devida”, sendo difícil concluir que o serviço administrativo considerasse a quantia que não podia ser cobrada pela DSAJ, como benefício indevidamente obtido por A. Deste modo, não se verificou o vício de “erro no resultado jurídico causado pelo erro na convicção”.
O Secretário para a Administração e Justiça ainda impugnou a qualificação da gravidade da infracção disciplinar feita pelo TSI, indicando que A tinha praticado actos de indisciplina graves, reunindo os requisitos mencionados no art.º 315.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, pelo que a aplicação da pena de demissão a A não violou o princípio da proporcionalidade. Face a isto, assinalou o Tribunal Colectivo que o Secretário para a Administração e Justiça afirmou nas suas alegações do recurso que a conduta de A tinha lesionado os interesses públicos, prejudicado gravemente a imagem e o prestígio da Administração, e posto em crise a confiança dos cidadãos na protecção da privacidade e dos dados pessoais pelos trabalhadores de atendimento ao público do IAM no tratamento de requerimentos e no uso de sistemas governamentais, contudo, o conteúdo em apreço não foi descrito na acusação nem no relatório do processo disciplinar, impedindo que o Tribunal Colectivo tomasse conhecimento da infracção disciplinar cometida por A, tampouco a apreciasse. Mormente, será que a gravidade dos prejuízos causados pelo acto de consulta indevida aos interesses públicos, e à imagem e ao prestígio da Administração é suficiente para ignorar completamente os direitos ou interesses pessoais de A, de modo a sacrificar os interesses privados para salvaguardar os interesses públicos, com vista a ajuizar sobre a verificação ou não da violação do princípio da proporcionalidade no acto punitivo. No caso sub judice, com base nos factos imputados a A, não se concluiu que a infracção disciplinar cometida por A tivesse provocado lesões extremamente graves aos interesses públicos, e à imagem e ao prestígio da DSAJ e, em consequência, se considerasse que a pena de demissão não violou o princípio da proporcionalidade.
Em face do que se deixou exposto, em conferência, acordaram em negar provimento ao recurso interposto pelo Secretário para a Administração e Justiça.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 152/2021.