Kuan Vai Lam, um dos arguidos empresários no processo criminal de corrupção que envolve os ex-dirigentes da Direcção dos Serviços de Solo, Obras Públicas e Transportes, apresentou um pedido de providência de habeas corpus ao Tribunal de Última Instância (TUI). Kuan Vai Lam foi preso preventivamente em 24 de Dezembro de 2021 e condenado, em 31 de Março de 2023, pelo Tribunal Judicial de Base, pela prática de um crime de associação ou sociedade secreta, três crimes de corrupção activa e três crimes de branqueamento de capitais agravado, na pena de 18 anos de prisão efectiva. Interposto recurso para o Tribunal de Segunda Instância, este veio a absolvê-lo dos crimes de associação ou sociedade secreta e de branqueamento de capitais agravado em 21 de Novembro de 2023, passando a condená-lo pela prática de três crimes de corrupção activa e dois crimes de branqueamento de capitais, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão. Posteriormente, o Ministério Público recorreu para o Tribunal de Última Instância, encontrando-se actualmente o processo pendente.
Uma vez que até 24 de Dezembro de 2023 ainda não havia sentença transitada em julgado, Kuan Vai Lam apresentou ao Tribunal de Última Instância o pedido de habeas corpus com fundamento em ter expirado o prazo máximo de 2 anos de prisão preventiva previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 199.º do Código de Processo Penal, pedindo a sua libertação imediata.
Por decisão sumária, o relator rejeitou o pedido, com fundamento em que o juiz do Tribunal Judicial de Base, tendo em conta que “seja qual for a decisão do Tribunal de Última Instância sobre o recurso, nem vai reduzir a medida da pena aplicada pelo Tribunal de Segunda Instância”, já proferiu o despacho de contagem do prazo da pena e remeteu o processo para o Juízo de Instrução Criminal para ser instaurado o processo de execução da pena, ao passo que o Tribunal de Segunda Instância também veio a proferir despacho, declarando a extinção da medida de coacção de prisão preventiva por o requerente já ter iniciado o cumprimento da pena. O recorrente não impugnou os dois despachos, pelo que a situação de prisão preventiva do requerente já terminou e ele já começou a cumprir a pena, pelo que os pressupostos e fundamentos do seu pedido de habeas corpus não podem proceder.
Inconformado, o requerente, após ter interposto recurso dos supracitados despachos do Tribunal Judicial de Base sobre a contagem do prazo da pena e de declarar a extinção da prisão preventiva proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, reclamou para a conferência da decisão do relator que indeferiu o pedido de habeas corpus, entendendo que a sua prisão é ilegal, nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do Código de Processo Penal.
A conferência do Tribunal de Última Instância conhece da reclamação. O Tribunal Colectivo indicou que a prisão ilegal prevista no art.º 206.º, n.º 2 do Código de Processo Penal tem de ser uma ilegalidade evidente, de um erro directamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência de habeas corpus confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correcção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito de providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso ordinário.
O habeas corpus não é o meio próprio de impugnação da oportuna contagem do prazo da pena, que sendo definida e decidida em despacho judicial, somente poderá ser impugnável por via de recurso ordinário e não por um pedido de habeas corpus.
No caso dos autos, o requerente continua preso por decisão dos juízes do Tribunal Judicial de Base e do Tribunal de Segunda Instância, de que recorreu.
Como existem efectivamente outros meios de apreciação da legalidade da prisão por parte dos tribunais superiores, entende o Tribunal Colectivo que os pressupostos para o decretamento da providência excepcional de habeas corpus deixam de existir, pelo que não há lugar ao prosseguimento do presente processo para conhecer da reclamação deduzida pela requerente.
Nestes termos, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância declarou extinta a instância nos termos da alínea e) do artigo 229.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 111/2023.