Em Fevereiro de 2011, A foi contratado pela Universidade de Macau para exercer as funções de assistente administrativo superior na “Divisão de Obras” do Departamento de Gestão e Desenvolvimento do Complexo Universitário e, em Janeiro de 2019, foi promovido para o cargo de administrativo da “Divisão de Obras”. No exercício das funções do aludido cargo, nas duas obras planeadas pela Universidade de Macau para serem realizadas, A, tendo aproveitado as vantagens resultantes do seu cargo, praticou premeditadamente crime, violando as atribuições e os deveres de funcionário público, causando prejuízos aos interesses públicos ou a terceiro, bem como afectando gravemente o prestígio da Administração e a justiça do regime de concurso para obras públicas.
No primeiro caso, envolvendo obras de construção dos colégios residenciais da Universidade de Macau, A, B e C, com o intuito de obter benefícios ilegítimos, dividindo tarefas entre si, tentaram aceder inadequadamente às informações do concurso não publicadas, com vista a obter a adjudicação das obras. Na fase de abertura de concurso público para as obras, A, tendo aproveitado a sua experiência profissional e as vantagens resultantes do seu cargo, teve acesso ao conteúdo das obras e aos critérios de avaliação das propostas, bem como usou o computador da Universidade de Macau para elaborar uma proposta compatível com os critérios de avaliação das propostas e mais vantajosa, o preço da proposta e os respectivos documentos. Além disso, B e C, através da empresa de engenharia E criada por A, B e C, chegaram a um acordo com F, no sentido de apresentar em nome de F a proposta e os respectivos documentos preparados por A, B e C. Ora, o preço fixado na proposta apresentada por F era o mais próximo aos critérios da avaliação das propostas e era inferior ao orçamento, por conseguinte, F obteve a adjudicação das obras, e, por seu turno, E obteve, na qualidade de subempreiteira, de F a adjudicação de alguns projectos das referidas obras e obras de valor consideravelmente elevado.
No segundo caso, envolvendo a empreitada de projecto e construção de um corredor de ligação entre as residências de docentes e funcionários e as de estudantes de pós-graduação, A, sem autorização da Universidade de Macau, tendo aproveitado duas vezes as vantagens resultantes de seu cargo, obteve as informações internas, não públicas e confidenciais, incluindo a proposta de projecto da empreitada que ainda não fora posta a concurso público, bem como as guardou no seu computador pessoal e, por e-mail, enviou-as ao trabalhador D da empresa de engenharia.
Após a detecção dos casos, o processo foi encaminhado, com a acusação deduzida pelo Ministério Público, ao Tribunal Judicial de Base para julgamento. Findo o julgamento, o Juízo Criminal do TJB condenou A: pela prática de três “crimes de violação de segredo” p. e p. pelo n.º 1 do art.º 348.º do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão por cada crime; um “crime de abuso de poder” p. e p. pelo art.º 347.º do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão; e, um “crime de falsificação de documento”, p. e p. pela alínea b) do n.º 1 do art.º 244.º do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão. Em cúmulo jurídico das penas aplicadas aos referidos cinco crimes, A foi condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, sob condição de pagar, no prazo de 2 meses contados a partir da data do trânsito em julgado da decisão, uma contribuição no valor de MOP20.000,00 a favor da RAEM, destinada a reparar o mal do crime cometido. Inconformado, da decisão recorreu o MP para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso.
De acordo com o Tribunal Colectivo, A cometeu três “crimes de violação de segredo” por ter divulgado a outrem as informações internas, não públicas e confidenciais, tais como o conteúdo das obras, o orçamento, os critérios da avaliação das propostas, entre outras, que foram obtidas por vantagens resultantes do seu cargo; a par disso, do processo do cometimento do “crime de abuso de poder” e do “crime de falsificação de documento” por A, juntamente com B e C, se revela suficientemente que A praticou premeditadamente os crimes, adoptou uma atitude de desrespeito à lei e teve um grau da intensidade do dolo muito elevado. Em termos de prevenção criminal, no que concerne em prevenção especial, em 5 de Junho de 2015, pela prática do “crime de falsificação de documento de especial valor”, A foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; a prática dos crimes envolvidos neste caso foi iniciada em Julho de 2016, ou seja, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao crime anteriormente praticado; e, as obras ilicitamente obtidas continuaram até à descoberta dos crimes em causa em Junho de 2020. Daí se vislumbra que A tinha fraca consciência na observação da lei, desconsiderou as penalidades criminais e não extraiu lições do crime anterior. Quanto à prevenção geral, pela prática dos “crimes de violação de segredo” e “crime de abuso de poder”, A violou as atribuições e os deveres de funcionário público no exercício das suas funções, causou prejuízos aos interesses públicos ou a terceiro, bem como afectou gravemente o prestígio da Administração, a justiça do regime de concurso para obras públicas e a expectativa do público na integridade de funcionário público. Pela prática do “crime de falsificação de documento”, A afectou gravemente a autenticidade e a legalidade dos documentos de proposta para obras públicas, bem como causou prejuízos à justiça do regime de concurso e aos interesses de terceiro e da RAEM. No ponto de vista tanto da repressão dos crimes similares como da garantia da expectativa da sociedade pela integridade de funcionário público e pela justiça do procedimento de obras públicas, é de alta exigência a prevenção geral. A pena aplicada pelo Tribunal a quo é manifestamente leve. Além do mais, os factores favoráveis a A constantes dos autos limitam-se à “confissão voluntária dos factos criminosos que lhe foram imputados”, porém a alegada confissão foi feita por A na audiência de julgamento, após a Polícia ter recolhido prova bastante, não podendo servir de motivo suficiente para suspensão da execução da pena. Entendeu o Tribunal Colectivo que, tendo em consideração a personalidade do Recorrido, a circunstância da prática dos crimes e o comportamento manifestado anterior e posterior aos crimes, não era possível tirar uma conclusão preditiva favorável ao Recorrido, portanto, a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao Recorrido não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mormente não satisfaria as exigências da prevenção especial. A suspensão da execução de pena não é um prémio ou favor destinado ao agente, mas sim um modo de penalidade para assegurar os interesses da sociedade, com o objectivo final de salvaguardar o bem jurídico. A aplicação da suspensão da execução de pena não deve impedir a salvaguarda do bem jurídico e a manutenção da expectativa da sociedade pelo combate à criminalidade, tanto na percepção da punição da criminalidade como na percepção do sistema sócio-jurídico. Pela prática de três “crimes de violação de segredo” e um “crime de abuso de poder”, o Recorrido não só violou as atribuições e os deveres de funcionário público e causou prejuízos aos interesses públicos ou a terceiro, assim como afectou gravemente o prestígio da Administração e a expectativa do público na integridade de funcionário público. A suspensão da execução da pena imposta ao Recorrido não alcançaria o efeito dissuasório de prevenção de crimes similares relativos a funcionários públicos, bem como não salvaguardaria o bem jurídico, sendo insuficiente para estabilizar a percepção da sociedade perante o combate à criminalidade e a manutenção do sistema sócio-jurídico.
Face ao exposto, acordaram em julgar procedente o principal motivo do recurso invocado pelo MP e, nos termos legais, decidiram: condenar A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de três “crimes de violação de segredo” p. e p. pelo n.º 1 do art.º 348.º do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão por cada crime; pela prática, em co-autoria e na forna consumada, de um “crime de abuso de poder” p. e p. pelo art.º 347.º do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um “crime de falsificação de documento”, p. e p. pela alínea b) do n.º 1 do art.º 244.º do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; e, em cúmulo jurídico, A passou a ser condenado numa pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 268/2023.