A sociedade A (doravante designada por “exequente”), com base num documento particular como título executivo, intentou no Tribunal Judicial de Base uma acção executiva para pagamento de quantia certa contra a sociedade B, alegando que é legítima titular de um documento particular que importa o reconhecimento de obrigações pecuniárias no montante de HKD10.671.604,00 (equivalente a MOP10.991.752,12). Tal documento particular é uma declaração unilateral emitida pela executada. Segundo essa declaração, a executada reconhece que há valores a pagar à exequente no total de HKD10,671,604.00, que são devidos no dia 15 de Dezembro de 2021, mas, devido ao incumprimento do contrato de promoção de jogos por parte da exequente, a executada poderia ser obrigada a pagar indemnização a terceiros, por isso, a executada reteria e aplicaria tal montante para pagamento da futura e eventual indemnização, exercendo o direito de compensação. Findo o julgamento, o TJB considerou que não, por entender que através do documento particular em causa, a executada não constituiu a dívida nem reconheceu tal dívida após o exercício do direito de compensação, pelo que decidiu indeferir liminarmente o requerimento, por falta de título executivo. Inconformada, a exequente recorreu do decidido para o Tribunal de Segunda Instância. Após o julgamento, o Tribunal Colectivo do TSI considerou que do documento particular ressaltava um reconhecimento de dívida da executada; no exercício do direito de compensação, a executada apenas declarou compensar um crédito futuro e eventual; e o crédito que ainda não existe não é exigível judicialmente, não se verificam os requisitos da compensação na declaração da executada, enfermando o despacho do TJB do vício de erro na aplicação do direito, consequentemente, foi concedido provimento ao recurso e foi revogado o despacho do TJB. Inconformada, a executada interpôs recurso para o Tribunal de Última Instância.
O Tribunal Colectivo do TUI conheceu do recurso.
No entendimento do Tribunal Colectivo, o acórdão do TSI não enferma dos vícios assacados pela executada. O único problema consiste então em saber se o documento particular dado à execução pode ou não actuar enquanto título executivo para efeitos dos artigos 12.º e 677.º do Código de Processo Civil. O Tribunal Colectivo concorda com a opinião do TSI, considerando que a declaração da executada não reúne os requisitos da compensação, e que o documento particular em causa é um título executivo. De acordo com o Tribunal Colectivo, do documento particular em apreço consta a declaração de vontade de compensar da executada, no entanto, não se demonstra nos autos que o crédito da executada seja judicialmente exigível. Na emissão da declaração de vontade de compensar, a executada apenas afirmou que a exequente tinha violado o contrato de promoção de jogos pelo seu envolvimento nas investigações criminais, a executada poderia ser obrigada a pagar indemnização a terceiros, causando-lhe danos severos, mas não indicou o montante concreto dos danos, a par disso, tais danos não foram judicialmente reconhecidos, pelo que o aludido crédito é inexistente, incerto, inexigível e inexecutável. Assim sendo, a executada não pode, nos termos do art.º 838.º do Código Civil, invocar o direito de compensação. De facto, após a recepção do documento particular em questão, a exequente interpelou o pagamento imediato da quantia de HKD10.671.604,00, por entender não haver no momento dívida alguma da sua parte à executada. Na opinião do Tribunal Colectivo, deve admitir-se como título executivo o documento particular, em que se constata o reconhecimento por parte da executada de uma dívida com montante determinado, conforme a disposição na al. c) do art.º 677.º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, acordaram em negar provimento ao recurso interposto pela executada.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 57/2023.