Pelo Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, A foi condenado, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um “crime de abuso de poder”, p. e p. pelo art.º 347.º do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses.
Inconformado, A recorreu do decidido para o Tribunal de Segunda Instância.
Pelo acórdão proferido em 16 de Fevereiro de 2023 no processo n.º 863/2021 (doravante designado por “acórdão recorrido”), o TSI negou provimento ao recurso interlocutório interposto por A, concedeu provimento parcial ao recurso final e manteve a sentença condenatória do Tribunal a quo, contudo, ordenou a devolução do telemóvel apreendido a A, por falta de fundamentos de facto que demonstrassem que o telemóvel de A era instrumento do crime.
Ainda inconformado, veio A interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para o Tribunal de Última Instância, alegando que o acórdão recorrido estava em oposição ao acórdão proferido em 11 de Dezembro de 2014, pelo TSI, no processo n.º 417/2014 (doravante designado por “acórdão oposto”).
De acordo com A, no acórdão oposto, os fundamentos da impugnação deduzida contra as provas e a fundamentação em que se fundamentava a convicção formada pelo Tribunal a quo invocados pelo recorrente eram iguais aos do acórdão recorrido, outrossim, o Tribunal a quo, tendo enumerado meramente as respectivas provas, afirmou conclusivamente que, pelos depoimentos e documentos em causa, formou a convicção, com provas bastantes. No entendimento de A, o acórdão recorrido e a sentença do Tribunal a quo violaram igualmente o disposto no n.º 2 do art.º 355.º do Código de Processo Penal, respeitante à fundamentação, devendo produzir efeitos da decisão judicial iguais aos do acórdão oposto, ou seja, declarar-se que o acórdão recorrido padece igualmente do vício de nulidade por falta de fundamentação.
O TUI conheceu do caso. Apontou o Tribunal Colectivo que a admissão do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência depende da verificação dos seguintes requisitos: a existência de uma oposição de acórdãos; sobre a idêntica questão de direito; e a permanência do mesmo quadro legislativo. Ora, a oposição de julgados exige que as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito e que as decisões em oposição sejam expressas.
Segundo o Tribunal Colectivo, no caso vertente não se verifica a oposição de acórdãos invocada por A. Do por A alegado e concluído se vislumbra uma clara tentativa de, através do meio extraordinário processual, obter uma reapreciação do decidido no acórdão recorrido, o que, como é evidente, lhe estava vedado fazer pelos meios ordinários em virtude do trânsito do aí decidido. A fundamentação do acórdão recorrido e da sentença do Tribunal a quo é suficiente e adequada, e, em boa verdade, com o presente recurso apenas veio A manifestar o seu inconformismo, dirigindo-o, primordialmente, ao que se entendeu dar como assente e que lhe era prejudicial, referindo-se, unicamente, à latere, à fundamentação apresentada no acórdão recorrido, pretendendo apenas voltar a discutir a matéria de facto dada como provada e as razões da convicção do Tribunal em sede de apreciação das provas na audiência do seu julgamento, sendo absolutamente inaceitável essa prática de contornar as regras de recurso consagradas no Código de Processo Penal.
Em face do exposto, em conferência, acordaram rejeitar o recurso.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no processo n.º 77/2023.