A e B são amigos e residentes da Indonésia. A foi acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de acolhimento, p. e p. pelo artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004 (Lei da Imigração Ilegal e da Expulsão), por ter autorizado B, em Fevereiro de 2020, na altura em excesso de permanência em Macau, que ficasse alojado no quarto de uma fracção que A arrendou, sendo-lhe cobrada uma renda. O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base conheceu do caso, entendendo que, segundo os factos apurados, uma vez que A sabia que B não era residente de Macau, ainda assim autorizou que B se alojasse num quarto na fracção em causa, sendo-lhe cobrada uma renda, sem ter verificado se B possuía o documento que permitisse a sua permanência legal em Macau, ou se encontrava dentro do prazo legal de permanência no Território, o Tribunal Colectivo considerou que A adoptou subjectivamente uma atitude de “dolo eventual” quanto à aceitação de B se encontrar eventualmente em situação de imigração ilegal no território. Todavia, do ponto de vista do Tribunal Colectivo, são diferentes os elementos constitutivos e molduras penais referentes ao crime de acolhimento, p. e p. pelo artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004 (antiga lei) já revogada, e ao crime de acolhimento de pessoas em situação de imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 71.º da Lei n.º 16/2021 (nova lei) que entrou em vigor em 15 de Novembro de 2021. Os elementos constitutivos do crime previstos na nova lei exigem a existência de “dolo de conhecimento”, enquanto os da antiga lei exigiam somente a existência de “dolo eventual”, afigurando-se assim que seja mais favorável a nova legislação para A. Neste contexto, dado que na conduta de A se manifesta apenas a existência de “dolo eventual”, sem se constituir suficientemente o crime de acolhimento de pessoas em situação de imigração ilegal, o Tribunal acabou por decretar a absolvição de A no processo em discussão.
Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, alegando a existência de vício de erro na interpretação e aplicação da lei no acórdão recorrido.
O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância conheceu do caso. O Tribunal Colectivo acompanhou o parecer do Ministério Público, considerando que a nova legislação não exclui o dolo eventual (indirecto), pois, embora o legislador tenha aplicado o termo “saber” no artigo 71.º da Lei n.º 16/2021, esse trata-se somente de um elemento objectivo. In casu, o facto de A saber que B não era residente de Macau e que estava obrigado a sair do território depois de terminado o prazo de permanência não significa que o legislador deixará de punir a conduta resultante do dolo eventual. Segundo os elementos constitutivos ou psicológicos da consciência do agente, caso o agente se aperceba que a sua conduta pode causar prejuízo aos interesses tutelados pelo direito, contudo, ainda assim a pratica, sem manifestar a sua rejeição, aceitando as eventuais consequências que possam surgir, constitui-se nesta situação o dolo eventual.
Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo eventual se A actuar conformando-se com aquela realização, constituindo-se desta forma o crime de acolhimento p. e p. pelo artigo 15.º da Lei n.º 6/2004. Uma vez que foi determinada também a pena por dolo eventual no artigo 71.º da Lei n.º 16/2021, cuja moldura penal é idêntica à da antiga legislação, é de aplicar a antiga legislação à presente acção. Nestes termos, o Tribunal concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, condenando A pela prática de um crime de acolhimento p. e p. pelo artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, pelo que se mostra indispensável a nova determinação da pena aplicada a A.
Face ao acima exposto, o Tribunal Colectivo acordou em julgar procedente o motivo do recurso invocado pelo Ministério Público e, nos termos legais, decidiu: condenar A, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de acolhimento p. e p. pelo artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos.
Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 437/2022.