Os Autores adquiriram ao B (ora 1.º Réu), em compropriedade, o direito de propriedade sobre a fracção autónoma para comércio “X”, por valor de MOP30.288.888,00, no âmbito do processo de inventário realizado no Tribunal Judicial de Base. O anúncio da venda judicial não mencionava a existência de qualquer ónus, encargo ou contrato de arrendamento sobre a fracção em causa. Em 23 de Abril de 2018, os Autores dirigiram-se à fracção adquirida, com a intenção de dela tomar conta, mas sem sucesso, já que o 1.º Réu, como senhorio, arrendara a fracção autónoma à 2.ª Ré. O contrato de arrendamento foi celebrado em 5 de Fevereiro de 2015, pelo prazo de 5 anos e 11 meses, com início em 1 de Abril de 2015 e termo em 28 de Fevereiro de 2021, tendo as partes acordado uma renda no valor de HKD4.000,00. Na verdade, eles apenas conspiraram para enganar terceiros, aceitando assinar um contrato de arrendamento falso. O valor locativo de mercado da fracção em causa é de, pelo menos, HKD60.000,00. Após a celebração do contrato de arrendamento, o 1.º Réu continuou a explorar, em proveito próprio, uma loja de marisco seco na fracção, até 5 de Dezembro de 2019, data em que a fracção foi entregue aos Autores por ordem judicial. Não obstante a entrega da fracção, o 1.º Réu, em vez de a entregar em estado devoluto, colocou no seu interior objectos que impediam a ocupação normal da fracção por parte dos Autores.
Os Autores intentaram acção declarativa em processo ordinário contra os dois Réus e o Tribunal Judicial de Base julgou parcialmente procedente a acção intentada pelos Autores, decidindo: 1. Declarar a nulidade, por simulação, do contrato de arrendamento entre os dois Réus; 2. Condenar os dois Réus a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre a fracção autónoma referida e a restituí-la aos Autores livre de pessoas e bens; 3. Condenar os dois Réus a pagar solidariamente aos Autores a quantia correspondente a MOP50.000,00 por cada mês que decorresse entre 23 de Abril de 2018 e a efectiva entrega da referida fracção autónoma; 4. Condenar os dois Réus a pagar solidariamente aos Autores juros de mora à taxa legal contados sobre a soma das referidas quantias de MOP50.000,00 respeitantes ao tempo entretanto decorrido entre 23 de Abril de 2018 e 23 de Maio de 2021 (MOP1.850.000,00), desde a data da sentença até ao integral pagamento; 5.Condenar os dois Réus a pagar solidariamente aos Autores juros de mora à taxa legal contados sobre a referida quantia mensal de MOP50.000,00, até ao seu pagamento e a contar do dia 23 de todos os meses que decorram entre a data da sentença e a entrega efectiva da fracção autónoma.
Desta decisão recorreram os dois Réus para o Tribunal de Segunda Instância, juntamente com este recurso, subiu um outro recurso interlocutório dos Autores antes interposto.
O Tribunal de Segunda Instância concedeu parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pelos dois Réus, revogando os pontos 3 a 5 constantes da parte decisória da sentença recorrida, passando os dois Réus a ser condenados a pagar solidariamente aos Autores a quantia de MOP966.666,70, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados sobre aquela quantia, desde a data da sentença de primeira instância até ao integral pagamento. Ao mesmo tempo, o Tribunal de Segunda Instância julgou extinto o recurso interlocutório interposto pelos Autores por inutilidade superveniente.
Ainda inconformado, recorreu o 1.º Réu para o Tribunal de Última Instância, pedindo a revogação da decisão que condenou os dois réus no pagamento solidário no montante de MOP966.666,70, ou a redução deste montante; ao mesmo tempo, os Autores impugnaram também a decisão do Tribunal de Segunda Instância que revogou os pontos 3 a 5 da sentença e interpuseram recurso subordinado para o Tribunal de Última Instância.
O Tribunal de Última Instância conheceu do caso, indicando que o Tribunal de Segunda Instância reduziu o montante fixado pelo Tribunal Judicial de Base para MOP966.666,70, por entender que os Réus não deviam pagar nenhuma indemnização a partir de 5 de Dezembro de 2019, data em que a fracção foi entregue aos Autores. No entanto, o Tribunal Judicial de Base considerou que a entrega não foi bastante e consequentemente era inoperante, uma vez que a fracção não estava totalmente devoluta, o que impedia a ocupação normal da fracção por parte dos Autores, enquanto o Tribunal de Segunda Instância considerou que esta situação não constituía um motivo relevante, e entendeu que, ainda assim, nada obsta a que os Autores, após realizada e obtida a entrega judicial do imóvel, tomassem providências para dele fazer uso. No entanto, o Tribunal de Última Instância não concordou com isto, indicando que os objectos colocados pelos dois Réus na fraçcão dos Autores ilegalmente ocupada não podiam deixar de ser uma ocupação material, uma vez que, ainda que a ocupação não seja física ou pessoal pelos próprios Réus, não deixam de ser eles os seus únicos culpados, a eles cabendo, assim, totalmente, a responsabilidade por tal situação que, de forma voluntária e deliberada criaram.
Consequentemente, o Tribunal de Última Instância entendeu que a decisão do Tribunal de Segunda Instância não era adequada e, de certa forma, se distancia da realidade, acabando por transferir, indevidamente, para os Autores, o dever de iniciativa e seus encargos quanto às medidas a adoptar com vista à total remoção dos bens pelos dois Réus deixados na fracção que insistiram em, ilicitamente, ocupar.
Face ao expendido, em conferência, acordam negar provimento ao recurso principal interpostodo B, julgando procedente o recurso subordinado interposto pelos Autores, confirmando a sentença do Tribunal Judicial de Base.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 116/2022.