Em 2021, o Tribunal Judicial de Base absolveu A, ex-subdirector da Direcção dos Serviços de Assuntos Marítimos e de Água, B, chefe de departamento, e E, chefe de divisão, da prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. p. pelo art.º 337.º, n.º 1 do Código Penal, que lhes foi imputado respectivamente; condenou C, chefe de departamento, substituto, e D, chefe de divisão, pela prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito,p. e p. pelo art.º 337.º, n.º 1 do Código Penal, que lhes foi imputado respectivamente, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efectiva por cada. Inconformado com a decisão do Tribunal Judicial de Base que absolveu A, B e E, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que se deve revogar a referida decisão e condenar os três arguidos ou proceder ao reenvio do processo para novo julgamento na parte em causa. Ainda inconformados com a decisão do Tribunal Judicial de Base, recorreram C e D para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância conheceu, em primeiro lugar, do recurso interposto pelo Ministério Público. O Tribunal Colectivo indicou que, no presente caso, é necessário resolver duas questões-chave, isto é, se é possível confirmar a “vantagem” referida no art.º 337.º do Código Penal e se os agentes cometeram actos de contrapartida pela violação dos deveres do cargo por terem recebido essas vantagens. O Tribunal Colectivo indicou que, de acordo com os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, o acto de convidar os arguidos para jantar oferecido pelo pessoal da empresa adjudicatária da respectiva obra corresponde exactamente às “vantagens” oferecidas. Quanto à questão de estas vantagens corresponderem ou não ao significado do crime, é preciso ver se aoferta dessas vantagens faz com que os funcionários públicos pratiquem actos de contrapartida que violam os deveres funcionais. O chamado acto de contrapartida deve ser entendido como um acto que tem por pressuposto o recebimento ou solicitação de vantagens e está directamente relacionado com o mesmo, sem necessidade de exigir ao funcionário a prática de um acto ilícito como contrapartida dessas vantagens. Exige-se apenas a determinação da relação entre as duas partes, isto é, desde que seja suficiente verificar que as vantagens recebidas são motivadas por actos de favorecimento ou por sua promessa, independentemente da prática efectiva desses actos. Mesmo que um particular transmita ao funcionário uma troca de vantagens de acordo social geral, desde que se possa confirmar que o particular tem um procedimento administrativo concreto em curso no órgão onde o funcionário está em serviço, pode-se verificar a ligação directa entre a troca de vantagens e a contrapartida do acto administrativo praticado pelo funcionário. Apesar de o Tribunal a quo não dar como provados os factos de que A, B e E tinham recebido vantagens como C e D tinham agido, tal como mostram os factos provados que A, sabendo disso, não imputou a responsabilidade civil aos defeitos de obra causados pela culpa da empresa adjudicatária, nem deu instruções aos serviços inferiores para considerarem as respectivas situações em futuros concursos de obra, por isso, a empresa adjudicatária, para além de não ter sido sancionada, conseguiu ainda obtiver a adjudicação directa das obras seguintes. A conduta de A permitiu à empresa adjudicatária obter interesses ilegítimos e a obtenção desses interesses ilegítimos era precisamente o resultado da retribuição resultante do acto de troca de interesses acima referido, existindo um nexo de causalidade adequado entre os dois. É certo que A praticou o crime previsto no art.º 337.º do Código Penal. Quanto a B e E, o Tribunal Colectivo indicou que os seus actos no tratamento do procedimento administrativo da empresa adjudicatária eram integrantes dos actos do seu superior hierárquico A e até estavam na base da decisão do seu superior hierárquico, sendo certo que eles praticaram actos contrários aos seus deveres funcionais por motivo dos interesses que tinham recebido da empresa adjudicatária, pelo que cometeram igualmente o crime previsto no art.º 337.º do Código Penal. Nestes termos, acordaram no Tribunal Colectivo em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, passando a condenar A, B e E pela prática dos crimes que lhes tinham sido imputados.
Tendo apreciado os recursos interpostos por C e D, o Tribunal Colectivo negou provimento a estes.
Face ao exposto, acordaram no Tribunal Colectivo do TSI em: por razões diferentes daquelas indicadas pelo MP, conceder provimento ao recurso interposto pelo MP, passando a condenar A, B e E pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de corrupção passiva para acto ilícito previsto e punível no art.º 337.º do Código Penal, respectivamente, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão para A, 1 ano e 6 meses de prisão para B e 2 anos de prisão para E; negar provimento aos recursos interpostos por C e D, mantendo a decisão a quo.
Cfr. Acórdão do TSI no processo n.º 978/2021.