No início de 2020, para abrir um restaurante com capacidade para colocar um número mínimo de 30 pessoas, o casal A e B teve conhecimento, através de um agente imobiliário, de que a loja sita no rés-do-chão de um edifício estava à venda. De acordo com as informações prestadas pela Empresa C, proprietária da loja, ao agente imobiliário, a referida loja era composta por todo o piso do rés-do-chão (incluindo a área de passagem para veículos) e todo o piso da sobreloja, com área útil de 250m2 e finalidade comercial. Durante as negociações com o agente imobiliário, A e B comunicaram-lhe expressamente o objectivo de ali explorar um restaurante, devendo a loja dispor do rés-do-chão e ter capacidade para refeições não inferior a 30 pessoas. A, B e C celebraram em 21 e 28 de Abril de 2020, respectivamente, o “contrato provisório de compra e venda” e o “contrato-promessa de compra e venda”, tendo as partes prometido comprar e vender a referida loja, pelo preço de HKD37.500.000,00. Para pagar o preço, A e B pediram ao Banco D um empréstimo hipotecário no valor de HKD26.250.000,00. Em 3 de Junho do mesmo ano, A, B, C e D assinaram a escritura de compra e venda e de constituição de hipoteca no escritório de advogados, registando o direito de propriedade da referida loja em nome de A e B e a hipoteca em nome do Banco D. Além disso, A e B entregaram a ordem de caixa a C e o preço foi liquidado. Em 26 de Junho de 2020, a então Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes emitiu um certificado a A e B, no qual constava que a área real da loja comprada por A e B incluía apenas a área das escadas de acesso e a sobreloja, excluindo o espaço de passagem para veículos no rés-do-chão. Por isso, a área real do rés-do-chão da loja não era suficiente para colocar um número mínimo de 30 pessoas, muito menos para obter a licença de restaurante. A e B intentaram acção cível contra C e D no Tribunal Judicial de Base, pedindo a anulação dos contratos de compra e venda e de empréstimo, das escrituras públicas, do registo predial e dos outros negócios jurídicos em causa, a restituição dos preço e juros já pagos, bem como indemnização pelas despesas resultantes da compra e venda.
Findo o julgamento, o Tribunal Judicial de Base decidiu anular o “contrato provisório de compra e venda” e o “contrato-promessa de compra e venda” celebrados por A, B e C; anular a compra e venda efectuada por A, B e C através de escritura pública de compra e venda e de constituição de hipoteca e declarar nulo o acto de constituição de hipoteca junto de D praticado por A e B através da escritura; ordenar o cancelamento do registo de aquisição da referida loja na Conservatória do Registo Predial a favor de A e B e do registo de hipoteca a favor de D; condenar C a restituir o preço de compra e venda respectivamente a A e B e à conta de crédito aberta no Banco D por A e B; condenar C a indemnizar A e B da comissão de agente imobiliário, dos honorários de advogado e das respectivas despesas já pagas por estes pela compra e venda; absolver D de todos os pedidos formulados por A e B. Inconformados com a sentença, A, B, C e D recorreram para o Tribunal de Segunda Instância, mas todos os recursos foram rejeitados. Ainda inconformado, recorreu C para o Tribunal de Última Instância.
O Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância conheceu do recurso. Quanto ao fundamento de recurso invocado por C de as duas Instâncias inferiores não terem aplicado legalmente o disposto no art.º 365.º do Código Civil que atribui força probatória aos documentos autênticos, entendeu o Tribunal Colectivo que inversamente ao que dizia C, o que sucedeu foi que as duas Instâncias respeitaram totalmente o estatuído no aludido comando legal, tendo mesmo chegado ao ponto de incluírem uma expressa referência em que se dava como integralmente reproduzida a certidão de registo predial na própria decisão sobre a matéria de facto. Pelo contrário, C pretendeu esconder ou disfarçar o que bem devia saber ou devia ter sabido num muito infeliz esforço de – a todo o custo, inclusive, com manobras de diversão – obter uma inversão do que decidido foi. Em conformidade com o respectivo registo predial, a área do piso do rés-do-chão da fracção em causa era apenas constituída pelo “espaço da escada para a sobreloja”, tendo, porém C, na qualidade de vendedora, garantido que era composta por “todo o piso do rés-do-chão”, incluindo o espaço da passagem de veículos. Destarte, correcto foi o Tribunal Judicial de Base, através do julgamento, ter provado que a compra e venda da fracção em causa era uma “compra e venda de coisa defeituosa” e, nos termos do art.º 905.º, n.º 1 do Código Civil e por remissão do art.º 896.º do mesmo Código, e decidir, conforme solicitado, anular o contrato de compra e venda de coisa defeituosa. Por isso, era também correcta a confirmação global feita pelo Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância, que devia ser mantida.
Face ao exposto, em conferência, acordaram no Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância em negar provimento ao recurso interposto por C e custas por C.
Cfr. o Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 38/2024.